Necessidade de regulamentação da educação domiciliar é apontada em audiência

A educação domiciliar, também conhecida como homeschooling, recebeu críticas e apoios de participantes de debate nesta terça-feira (15), Dia do Professor, na Comissão de Direitos Humanos (CDH). A audiência pública sobre o tema foi requerida e presidida pela relatora do projeto que regulamenta a prática (PLS 490/2017), senadora Soraya Thronicke (PLS-MS). Segundo Soraya, mais de 7 mil famílias já estão praticando essa modalidade de educação no país e precisam de amparo jurídico. Para a relatora, a questão não é mais se posicionar contra ou a favor da educação domiciliar, o necessário é regulamentá-la de forma a garantir a qualidade do ensino e a proteção das crianças e adolescentes.

— Precisamos avaliar os pontos positivos e os negativos dessa prática para que tenhamos condições de estabelecer uma regulamentação que forneça os benefícios e evite os malefícios que porventura sejam apresentados pelos presentes — afirmou a senadora.

No debate, a convidada Karoline Correia relatou que tirou o filho mais velho da escola e há cinco anos pratica a educação domiciliar com ele e com os outros dois que vieram depois. O motivo da opção foi a depressão do filho, consequência do bullying que sofria no colégio. Ela avalia que, após todo esse tempo, só viu benefícios: o filho saiu da depressão sem precisar de medicamentos, virou atleta, autodidata, ganhou em hábito de leitura e gosto pelos estudos e se relaciona muito bem em todos os ambientes que frequenta. Na opinião dela, a regulamentação é urgente.

— Não podemos viver à parte da lei, como se fôssemos criminosos, quando estamos cumprindo com nosso papel e fazendo o melhor que a gente pode — afirmou Karoline.

Segundo a secretária nacional da Família do Ministério da Mulher, Família e dos Direitos Humanos, Ângela Gandra Martins, os motivos para se regulamentar a educação domiciliar são diversos e o interesse do ministério é defender o direito humano à liberdade de escolha sobre a modalidade de educação.

— A gente só vê como algo que não pode ser barrado. E não defendemos como sistema de educação, mas como liberdade — disse.

Ela afirmou que a educação domiciliar é praticada não só em países desenvolvidos, mas também em países que estão em desenvolvimento, com qualidade. Segundo Ângela, a secretaria quer acompanhar para que sejam cumpridos a Constituição, o acórdão sobre o tema do Supremo Tribunal Federal (STF) e a qualidade da educação.

— Os pais dependem dessa decisão para este ano ainda, de forma que se tenha qualidade nesse ensino, que as crianças realmente tenham uma boa sociabilização e sejam cidadãos fortes, bem-educados, bem formados para construir conosco um Brasil melhor — concluiu.

Socialização

O contraponto veio da vice-presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, Marcia Baldini. A professora, que também é dirigente municipal de educação de Cascavel (PR), defendeu a escola como a responsável pela mediação do conhecimento científico e da socialização. Segundo ela, a criança ali aprende a conviver em grupo e essa interação é base para o desenvolvimento social.

Marcia trouxe questionamentos sobre a educação domiciliar, como a falta de evidências científicas sobre a qualidade desse ensino, e enfatizou que há pautas mais importantes, como a evasão escolar, a melhoria das escolas, e o financiamento da educação. Ela também questionou a formação acadêmica a ser exigida dos pais que pretendem fazer homeschooling e como será feita a fiscalização.

— É um assunto ainda bastante incipiente, que causa bastante polêmica, porque ainda não temos pesquisas suficientes sobre isso, tanto no nosso país, quanto em outros países. Hoje temos cerca de 48 milhões de matrículas no ensino regular e temos algumas pesquisas mostrando que pode haver em torno de 16 mil crianças no ensino domiciliar. Então é um número bastante pequeno — questionou.

A representante do Ministério da Educação, Aricélia Ribeiro do Nascimento, enfatizou que a opção pela educação domiciliar não significa ser contra a escola pública ou privada. Ela disse que é preciso buscar respostas para muitas perguntas que surgem sobre essa modalidade de educação, mas também é necessário avançar nessa pauta, porque muitas crianças e jovens já vivem essa realidade. Para Aricélia, não se pode limitar essa escolha a um grupo de crianças com necessidades especiais.

— Está muito em pauta a criança com necessidades educativas especiais, mas para isso já temos o atendimento no sistema educacional brasileiro. Temos muito para pensar e podemos ter certeza de que, mesmo nos cercando de todo o cuidado, ainda teremos desafios na implementação da educação domiciliar — afirmou.

De acordo com o presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), Ricardo Dias, em torno de 2% dos estudantes estudam em casa nos países em que é permitida a prática. Ele enfatizou que as escolas são necessárias e que uma modalidade não prejudica a outra.

Segurança jurídica

A promotora de Justiça de Defesa da Educação Cátia Gisele Martins argumentou que o discurso dos direitos humanos é de minoria e que, por isso, a pauta é importante. Ela questionou o fato de famílias que praticam a educação domiciliar sofrerem processo por abandono intelectual, enquanto não se faz o mesmo com famílias em que os filhos simplesmente evadiram da escola.

Cátia esclareceu que o STF, quando julgou o recurso extraordinário sobre o homeschooling, não disse que a prática era inconstitucional, mas que carecia de regulamentação. Dessa forma, as famílias que aderiram à prática perderam a segurança jurídica e precisam da lei.

— E isso no entendimento de muitos operadores, inclusive no Ministério Público, tem levado a processos judiciais até mesmo na área penal. É uma pauta muito importante. Não é justo que, na nossa sociedade, tenhamos cidadãos cumpridores de seus deveres em situação de insegurança jurídica. Essas crianças estão crescendo. Esse assunto precisa ser pautado. O Legislativo precisa enfrentar esse tema — afirmou.

Segundo o diretor da ONG Global Home Education Exchange, Carlos Vinícius Brito Reis, o Brasil é signatário do Pacto de São José da Costa Rica, que garante aos pais a liberdade de optar pela modalidade de educação dos filhos. Para ele, o tratado, que tem status de lei complementar, já bastaria como legislação.

Reis afirmou que há mais de 25 anos o Congresso debate o tema e que as famílias não podem mais aguardar pela segurança jurídica. Inclusive, destacou, municípios e estados já estão tomando a iniciativa de aprovar leis regulamentando a prática.

— Quantos mais ficarão às margens da lei? Por que essa minoria não pode ser atingida? O silêncio legislativo tem prejudicado as famílias educadoras — disse.

Reis destacou que o homeschooling não é um fenômeno moderno, pois sempre foi praticado na história da humanidade. No entanto, com a obrigatoriedade da escolarização, houve um recrudescimento dessa modalidade desde o início do século 20. Mas até no Brasil, recordou, grandes personalidades foram educadas em casa.

— Desde governantes, como nossos reis, até [o jornalista, escritor, advogado, professor, empresário e político] Assis Chateaubriand foram educados em casa. O próprio [educador] Paulo Freire foi alfabetizado em casa. Muita gente tenta apontar a educação domiciliar como se fosse novidade, e não é — destacou.

Resultados

Segundo Dias, pesquisas feitas nos Estados Unidos mostraram que, quanto à socialização, os estudantes que receberam educação em casa se envolvem mais em atividades cívicas e serviço voluntário à comunidade e tendem a ter mais tolerância política e religiosa do que os que aprenderam em escolas. Quanto ao perfil das famílias educadoras no Brasil, o presidente da Aned afirmou que 74% dos pais que hoje fazem a educação domiciliar com os filhos frequentam ou já frequentaram uma universidade. Ele afirmou que o perfil das famílias educadoras no mundo é variado, incluindo liberais, progressistas, conservadores e libertários.

O diretor da Global Home Education Exchange apresentou o dado de que 4 milhões de estudantes estão na educação domiciliar no mundo em mais de 60 países. Segundo ele, a ONG Oidel — instituição sediada na Suíça com status consultivo junto às Nações Unidas e ao Conselho da Europa — indica que países com maior liberdade educacional são aqueles que encontram os melhores desempenhos dos níveis educacionais. Quanto à distribuição da educação domiciliar no mundo, não há predominância de alguma região do mundo ou regime político dos países.

Reis afirmou que há muitas pesquisas consolidadas, principalmente nos Estados Unidos, analisando os resultados dos que foram educados em casa tanto na parte acadêmica, quanto na parte da socialização. Ele citou uma pesquisa com mais de 5 mil entrevistados, mostrando que a socialização não é um problema para os estudantes escolarizados em casa. Ao contrário, eles apresentaram desempenho melhor nas pesquisas do que os estudantes que frequentaram a escola.

— Não estamos falando de hipóteses. Estamos falando de evidências científicas, de resultado de pesquisas que demonstram claramente a eficiência [da educação domiciliar], tanto do ponto de vista acadêmico, quanto do ponto de vista social — afirmou.

Fonte: Agência Senado