Quando as histórias universitárias envolvem inclusão, elas inspiram e transformam. Na noite desta quinta-feira, 28 de agosto, João Vitor de Paiva Bittencourt, 24 anos, realizou um marco histórico no Centro de Convenções da PUC: tornou-se o primeiro estudante com síndrome de Down a colar grau no curso de Educação Física da universidade.
A conquista foi celebrada com emoção por João, que compartilhou em suas palavras a alegria de realizar um sonho e superar expectativas.
“Eu fico muito feliz, porque muita gente não acreditava que eu ia formar em Educação Física. Para mim, é uma realização muito grande, um sonho que estou realizando hoje. É um momento especial para mostrar que eu sou capaz, que sou uma pessoa comum entre outras pessoas”, afirma João, com a energia e autenticidade que o caracterizam.
De olho no futuro, ele já projeta os próximos passos: especializar-se como personal training para ajudar pessoas de todas as idades a terem mais qualidade de vida, com atenção especial às crianças com deficiência para promover autoestima, saúde e oportunidades.
Mais do que um diploma, essa conquista é coletiva: ela simboliza todos aqueles que lutam pela inclusão e pela valorização da diversidade.

Márcia Regina, mãe de João, recorda o quanto a fé no potencial do filho foi decisiva para encarar os desafios.
É como se sua força intuitiva a conectasse com um mistério que só um coração materno pode desvendar. “Quando recebi a suspeita da síndrome de Down ainda na maternidade, a primeira coisa que eu disse para o João é que ele seria o que quisesse. É claro que eu não sabia o que ele gostaria de ser e nem como eu faria que isso fosse possível. Eu sabia que não seria fácil, mas eu tinha uma certeza de que eu faria o que fosse possível para que isso acontecesse”, recorda.
Cônscia de que diagnóstico não é destino, ela prossegue com o relato: “não sabia como faríamos, mas sabia que não seria fácil. Hoje, depois de anos de desafios e conquistas, ele nunca desistiu, nunca aceitou um não como resposta e com meu apoio incondicional, hoje ele cola grau. E fico com uma certeza de que o João foi muito além do que imaginei”, constata.
Ao fazer essa retrospectiva, Márcia assinala de que as oportunidades abraçadas por João devem ser estendidas a todos.
“Eu sinto muito orgulho do que ele construiu, com todos os nãos que ele ouviu e com todas as portas que se fecharam. É importante que a gente dê oportunidades a todas as pessoas com algum tipo de deficiência, porque todas são capazes. Isso não deve ser exclusividade do meu filho, mas deve ser estendido a todas as pessoas com deficiência”, reforça.
Respeito e valorização da diferença
A colação de grau foi presidida pela professora Rosemary Francisca Maria Neves, pró-reitora de Extensão e Apoio Estudantil da PUC. Ela foi professora de João e descreve a experiência como transformadora.
“Quando ensinei o João na disciplina de Religião, Cultura e Educação, estávamos em plena pandemia e o ensino era remoto. Acompanhá-lo me desafiou profundamente e me fez repensar minhas práticas pedagógicas”, relata.

Com empatia e um olhar de acolhimento de quem exerce a docência com genuína vocação, ela explica que cada adaptação necessária para o aprendizado do então estudante se tornou uma oportunidade de aprendizado para todos.
“Fui percebendo que não é possível ensinar todos da mesma maneira. Cada estudante exige um olhar singular, atento às suas potencialidades e necessidades. Trabalhar com o João me mostrou que a inclusão não se limita ao acesso, mas se constrói diariamente na escuta, no respeito e na valorização da diferença”, reflete.
Rosemary reforça que o trabalho com João a ensinou que ser docente também significa se abrir para o inesperado: “Deixar-se ensinar pelo outro é um exercício de humanismo em ação. Cada desafio prático, cada adaptação foi uma oportunidade de crescimento para mim como professora. Entendi que práticas pedagógicas só ganham sentido quando se humanizam.”
Ela destaca, ainda, a importância de políticas públicas e recursos adequados: “Essas experiências individuais, por mais significativas que sejam, não bastam sozinhas. A inclusão precisa ser sustentada por políticas robustas, formação continuada de professores, recursos pedagógicos acessíveis e apoio especializado. O trabalho com o João me mostrou que, quando temos essas condições, é possível transformar a educação e a sociedade”, completa.
A colheita
As palavras da professora lembram uma reflexão de Paulo Freire: “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.”
A experiência de João na universidade traduz exatamente essa pedagogia viva, em que ensinar e aprender se tornam um encontro de horizontes.
Em suas redes sociais, o estudante sempre compartilhou o amor pelo curso de Educação de Física e sua rotina no Câmpus II. Aprovado em quatro vestibulares, dois em São Paulo e dois em Goiânia, foi nesta instituição que ele encontrou o caminho para edificar seu projeto de vida.
Ao longo do curso, ele se dedicou aos estudos, estágios, horas complementares, construiu relações, integrou-se aos espaços acadêmicos e sociais e inspirou professores e colegas com sua determinação.
Seu trabalho de conclusão de curso, intitulado Treinamento Resistido e Síndrome de Down, abordou os impactos positivos dessa prática para a saúde e qualidade de vida das pessoas com T21. A pesquisa, defendida com sucesso em dezembro do ano passado, trouxe uma perspectiva inédita para a área.
Hoje, ele soma mais de um milhão de seguidores no perfil do Instagram e do Tiktok @jvdepaiva, tornou-se o 1º conselheiro jovem T21 da UNICEF e é reconhecido como o 1º aluno T21 de Educação Física da PUC Goiás. Mais do que números, essas conquistas refletem sua capacidade de transformar vidas e fortalecer a luta contra o capacitismo.
A trajetória de João Vitor é uma celebração da inclusão, da empatia e da diversidade. É a prova de que oportunidades, quando acompanhadas de coragem, dedicação e apoio, se transformam em conquistas que inspiram mudanças e mostram que todos, independentemente de suas condições, são capazes de realizar sonhos.

Fotos: Weslley Cruz