Pesquisadores do Laboratório de Sistemática e Biogeografia do Departamento de Zoologia, ligado ao Instituto de Biologia Roberto Alcantara Gomes (Ibrag) da Uerj, identificaram, na Península Antártica, o fóssil de uma nova espécie de peixe, extinta no final do período Cretáceo — o último da era mesozoica —, há 66 milhões de anos. Batizado como Antarctichthys longipectoralis, o exemplar media menos de 10 centímetros, possuía nadadeiras peitorais desproporcionalmente longas e pertencia à família Dercetidae.
O estudo, realizado pela Uerj em parceria com o Museu Nacional e a Coordenação dos Programas de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contou com a colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e recebeu o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre outros financiadores.
A professora Valéria Gallo, do Departamento de Zoologia da Uerj e uma das autoras do estudo, destaca a importância da descoberta. “Trata-se de um material incrível, muito bem preservado em uma concreção carbonática [estrutura rochosa formada pela precipitação de calcário], articulado, diferente de tudo o que foi coletado antes com relação a peixes. É um trabalho de ponta, com padrão internacional, que envolveu diferentes métodos — análise de dados, microtomografia, modelagem 3D —, que não fica nada a dever para outros tipos de instituições no âmbito nacional e estrangeiras”, pontua Valéria.
A expedição à Antártica
O fóssil foi descoberto na Formação Snow Hill Island, durante a expedição do projeto “Paleoantar”, ligado ao Programa Antártico Brasileiro (Proantar), no verão de 2018-2019 na Ilha James Ross. Até então, as ocorrências da família Dercetidae estavam concentradas no Hemisfério Norte, com alguns registros esparsos no Sul, como na Bacia de Pelotas, no Brasil. “A descoberta amplia consideravelmente a área de distribuição desses peixes, sendo esta a ocorrência mais austral já registrada”, destaca a professora. “A presença desse fóssil sinaliza que a área da Península Antártica provavelmente possuía um clima mais quente e maior biodiversidade durante o Cretáceo”, acrescenta.

Integrante da equipe de campo, Arthur Brum, o paleontólogo e pós-doutorando do Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução (PPGEE) da Uerj, descreve sua participação no projeto. “Participar de uma expedição na Antártica é sempre uma surpresa. Trabalhamos acampados, armamos nossas barracas e começamos a buscar fósseis. Considero um privilégio estar lá, porque o acesso só é permitido a quem faz ciência efetiva”, relata.
Superação e impacto internacional
O estudo também possibilitou entender melhor o passado do continente gelado. A presença do animal indica que, no passado, a região possuía um clima e um ecossistema marinho bastante diferentes dos atuais. A descoberta também sugere uma possível conexão marinha entre o que hoje são a América do Norte, a Europa e a Antártica. “A Antártica nesse período era uma grande floresta com um recife de corais e uma fauna muito diversa. Hoje em dia ela é um continente gelado, isolado do restante dos outros continentes”, compara Brum. “Trazer um pouco dessa informação nos ajuda a entender como ela chegou ao que é hoje. E também, quem sabe, com as informações a gente consiga preservá-la”, alerta.
O caminho até a publicação na revista Scientific Reports foi desafiador. Todo o processo de pesquisa, desde a chegada do fóssil ao Brasil até o término da reconstituição tridimensional, levou cerca de cinco anos, período impactado pelo incêndio no Museu Nacional, em setembro de 2018, e pela pandemia de Covid-19. Ainda assim, a equipe manteve a pesquisa ativa. “Tivemos muita dificuldade, mas não desistimos. Sabíamos que esse fóssil representava algo único. Mostramos que fazemos ciência com impacto e relevância mundial”, destaca Valéria.
Reconstrução em 3D revela características inéditas

A reconstituição tridimensional do Antarctichthys foi realizada por meio da microtomografia, no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe), da UFRJ. A técnica, semelhante a uma tomografia médica, possibilita a obtenção de imagens internas de objetos por meio de raios-x, sem danificar o fóssil. No total, foram gerados mais de 2 mil tomogramas do fóssil, que serviram de base para a segmentação digital e posterior modelagem em 3D. Esse modelo, minuciosamente reconstruído, pode ser compartilhado por meio do serviço de nuvem digital com outros museus, impresso em diferentes escalas e utilizado para complementar outros estudos ou para exposições.
“A microtomografia é extremamente eficaz para espécimes pequenos e permite acessar estruturas internas da matriz rochosa ou do próprio osso”, afirma Brum. “Conseguimos ainda obter informações em alta resolução sobre o volume e formato das estruturas. Provavelmente, sem essa técnica, não conseguiríamos nomear a espécie”, explica o pesquisador, já que o nome escolhido faz referência a características físicas do animal.
A descoberta já repercute em todo o mundo. Para Brum, é também uma conquista institucional. “Essa presença contínua em pesquisas na Antártica é um avanço enorme para a Uerj. É a prova de que estamos preparados para contribuir com descobertas relevantes, capazes de reposicionar a ciência brasileira no mundo”, conclui.