ARTIGO – Monges copistas eram brilhantes, mas sumiram

Prof. Ronaldo Mota*

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Os tempos contemporâneos são marcados pela profundidade e rapidez das mudanças em curso. Neste ambiente de informação plenamente acessível, instantaneamente disponibilizada e praticamente gratuita é absolutamente natural que atividades que estamos acostumados hoje sejam profundamente abaladas amanhã e que profissões que nos parecem eternas desapareçam, ou se tornem, raras brevemente.

Assim também foi no passado, ainda que em ritmo mais lento, quando grandes transformações se efetivaram. Uma das mais curiosas e ilustrativas diz respeito aos monges copistas. Esses monges eram totalmente dedicados à cópia de livros, os quais eram escritos à mão, utilizando penas de ganso e tinturas, decorados com pinturas e feitos sobre pergaminhos, ou seja, peles tratadas de carneiros ou cabras.

Essas cópias eram preparadas com especial esmero e, consequentemente, demoravam muito e os produtos finais resultavam extremamente caros, portanto, raros. Os monges copistas na Idade Média (séculos V a XV) eram cultos e faziam parte do extremamente seleto grupo que sabia ler e escrever. Na absoluta ausência de tecnologias que fizessem este trabalho, os monges copistas acreditavam que ao copiarem os livros estariam prestando um serviço a Deus, esforço recompensado pela liberdade que tinham em ilustrar as obras. Em geral, o trabalho manual de cópia dos manuscritos na Idade Média era realizado no interior dos mosteiros, em um quarto chamado scriptorium, daí a terminologia com significado amplo da palavra escritório tal como adotamos hoje.

O século XV não trouxe boas novidades aos monges copistas. O final da Idade Média, o começo do Renascimento, as novas descobertas, o crescimento do contato com o mundo oriental e o acesso às novidades vindas da China, da Índia e do mundo árabe promoveram mudanças profundas. Entre elas, a introdução do papel, invenção chinesa barata, abundante e de fácil recorte e manuseio.

Nos primeiros séculos da era cristã, a gravura em pedra e a produção de cópias eram dominadas pelos orientais, tanto pelos chineses como pelos coreanos e japoneses. Da mesma forma, usavam pranchas de madeira para gravar imagens e textos, os quais podiam ser reproduzidos por estampagens. Em torno do século XI, as primeiras impressões utilizando caracteres móveis começaram a ser adotadas na China, porém, dado serem os caracteres feitos de terracota precisavam ser substituídos a cada impressão, o que tornava o processo pouco prático e muito custoso. Houve tentativas na época de utilização de caracteres metálicos, mas mesmo assim muito dispendiosos.

Interessante observar que antes do século XV os europeus simplesmente não se interessaram por essas novidades em curso na Ásia. Esse quadro se altera no século XV. O alemão Johannes Gutenberg não inventou, mas sim “reinventou” a imprensa e é considerado o homem que aperfeiçoou de maneira decisiva a arte asiática, dado que ele desenvolveu os caracteres móveis de chumbo, que podiam ser utilizados indefinidamente, além de uma nova tinta de impressão e a prensa de imprimir. Com isso, mudou definitivamente o mundo dos livros, em todas as suas dimensões e consequências: política, econômica, social e religiosa. A partir de Gutenberg, uma nova história se desenvolve e os livros, antes raros, se tornaram abundantes porque baratos e de muito mais fácil manuseio, seja na fabricação ou sua utilização mais direta. Por sua enorme contribuição, Gutenberg pode ser chamado de pai da tipografia e do livro moderno.

Bem, e como ficaram os brilhantes e competentes monges copistas após Gutenberg? Eles foram se tornando cada vez menos necessários e praticamente desapareceram poucas gerações depois. Os tempos atuais reproduzem, à luz das tecnologias digitais, quadros muito similares e a história dos monges copistas se repetirá em escala muito maior em praticamente todas as ocupações atuais. O certo é que as atividades humanas em geral serão atingidas, umas mais rapidamente, outras perdurarão um pouco mais, mas todas as profissões, de alguma forma, serão revistas e algumas simplesmente desaparecerão.

*Ronaldo Mota é Reitor da Universidade Estácio de Sá e Diretor Executivo de Educação a Distância da Estácio

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