Estudo da UFRGS utiliza resíduo de malte de cervejarias para o combate à poluição em biomas aquáticos

Uma pesquisa do Programa de Pós-graduação em Engenharia Química da UFRGS estudou novas formas de combater a poluição causada por cafeína oriunda de compostos farmacêuticos. No estudo, a pesquisadora e engenheira química Suyanne Bachmann utilizou resíduo de malte de cervejarias na adsorção da cafeína.

Atualmente a cafeína é considerada o poluente mais representativo dos compostos farmaceuticamente ativos e um importante indicador de contaminação antropogênica (causado ou criado por ação humana) em recursos hídricos. Embora o composto não provoque efeitos toxicológicos em curto prazo, uma alta concentração de cafeína indica que a matriz aquosa (rios, lagos, etc.) está poluída e que há maior chance da existência de contaminantes potencialmente perigosos e de difícil detecção, como fármacos, agrotóxicos e pesticidas.

Para combater essa problemática, utiliza-se hoje um procedimento de adsorção por carvão ativado. A adsorção consiste em reter uma determinada substância (nesse caso, a cafeína) na superfície adsorvente, sem ser incorporada ao volume da outra (matrizes aquosas). Esse processo, entretanto, apresenta limitações em relação ao custo e à regeneração do carvão ativado, isto é, à possibilidade de reutilizar esse material.

Por isso, Suyanne apostou no uso dos resíduos de malte de cervejarias. O material é de baixo custo e abundante no país, visto que o Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo – o setor cresceu 35% na última década.

“A cafeína é uma substância absolutamente comum, presente numa ampla variedade de alimentos e bebidas. Ela é continuamente reinserida no meio ambiente, e esse efeito no ambiente e na saúde humana a longo prazo não é conhecido”, afirma Suyanne. “Essa pesquisa também mostrou que o sistema de tratamento de águas que temos atualmente disponível baseia-se em processos físico-químicos que não removem a cafeína, sujeitando a população a uma exposição maior [a essa substância]”, completa. O trabalho foi orientado pela docente da Escola de Engenharia Liliana Féris e coorientado pela pesquisadora do Laboratório de Tecnologia Ambiental e Analítica da UFRGS Tatiana Calvete.

Desenvolvimento e resultados
Para avaliar a funcionalidade do adsorvente, a engenheira química analisou três processos de tratamento diferentes: químico, térmico e combinado. Após isso, os produtos mais eficientes foram selecionados para estudos cinéticos, de equilíbrio e termodinâmicos.

A partir dos resultados dessas etapas, foi discutida uma proposta de mecanismo de adsorção da cafeína. Os resultados indicaram que o tratamento combinado (químico + térmico) foi capaz de aumentar a área superficial do adsorvente e melhorar a eficiência de adsorção de cafeína em mais de 90%. A pesquisadora também verificou a capacidade regenerativa do adsorvente, o que significa que ele pode ser usado mais de uma vez para o mesmo fim.

Esse processo poderia contribuir para a sociedade tanto no sentido de você valorizar o resíduo que é gerado em função desse aumento na produção cervejeira quanto na questão da minimização de um possível descarte inadequado desse material, agregando valor a ele. Um produto que antes era um resíduo pode se tornar uma fonte de renda

Suyanne Bachmann

A engenheira química alega que os resultados mostram que a utilização da adsorção no tratamento físico-químico contribui para uma melhoria significativa da qualidade da água, principalmente na redução da alcalinidade, condutividade, carbono inorgânico, além da presença da cafeína.

Ela ainda afirma que, mesmo com todos os avanços das pesquisas e dos esforços de diversos países em relação ao monitoramento desses micropoluentes emergentes, ter o controle da presença da cafeína na água não seria suficiente para garantir a proteção do ambiente.  Para isso, ela ressalta a importância de investimento em recursos humanos e materiais, para que seja garantida a fiscalização correta da qualidade dos efluentes gerados pelos diferentes processos, além de melhorar as tecnologias dos sistemas de tratamento, aumentando sua eficiência.

O que ainda há de ser feito?
Como próximos passos em estudos futuros, Suyanne sugere novos estudos de tratamento térmico, com diferentes tempos e temperaturas, para que sejam aperfeiçoadas as propriedades estruturais dos adsorventes. Somando-se a isso, ela defende que os estudos cinéticos também devem ser analisados em diferentes temperaturas, para que seja constatada a influência desse quesito na taxa de adsorção.

Por fim, ela destaca que se deveria avaliar a viabilidade econômica do processo e do ciclo de vida do adsorvente ácido carbonizado (AD-AC, tipo de resíduo de malte que passou por um processo de funcionalização), tentando, assim, maximizar o rendimento do material para conseguir aplicá-lo na indústria.

Ela destaca que, sendo o processo economicamente viável, recursos energéticos e químicos podem ser poupados. Da mesma forma, os custos de transporte seriam diminuídos, uma vez que os resíduos de cervejaria estão largamente disponíveis na região. Segundo o Anuário da Cerveja 2021, divulgado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Porto Alegre é a segunda cidade com maior número de cervejarias (43) no país, e o RS é o segundo estado brasileiro que mais produz a bebida.

Além disso, Suyanne defende que devem ser criados requisitos legais para monitoramento de poluentes no país. “O poder público tem que rever essa questão ambiental. Uma vez que você impuser o monitoramento e tornar isso uma obrigação legal, toda empresa ou indústria que fizer o tratamento de água será responsabilizada. Não há isso hoje”, alega a engenheira química.

 

Fonte: UFRGS