Estudo da Unesp mostra como veneno de vespa brasileira pode matar células de câncer

Um composto presente no veneno produzido por uma vespa nativa do Brasil tem o potencial de se tornar um poderoso aliado na luta contra o câncer, servindo de base para uma nova classe de medicamentos para combater a doença. Popularmente conhecida como “paulistinha”, a vespa da espécie Polybia paulista é comum no Sudeste do país. Agressiva, ela é responsável por muitos ataques na região, o que levou os cientistas a se interessarem no estudo de suas toxinas. E foi neste processo que eles encontraram a molécula, batizada MP1.

Com ação bactericida, a MP1 era originalmente usada pelos insetos para preservar as presas capturadas e armazenadas em seus ninhos, já que eles só se alimentavam delas vivas. Estudos recentes, no entanto, mostraram que a molécula também tinha a capacidade de atacar células cancerosas enquanto poupava as saudáveis. Este tipo de ação seletiva é considerado ideal para o desenvolvimento de tratamentos contra o câncer, e agora um novo estudo, com a participação de pesquisadores brasileiros, descobriu como a MP1 faz isso, abrindo caminho para que a própria molécula, ou versões sintéticas mais eficientes dela, sejam utilizadas em remédios contra a doença.

Foto: Divulgação

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Em artigo publicado na edição desta semana do periódico científico “Biophysical Journal”, os cientistas relatam que a MP1 age abrindo buracos na membrana das células cancerosas, o que faz com que elas “sangrem”, perdendo proteínas e outras substâncias essenciais para sua sobrevivência e, assim, acabem morrendo. Este efeito citotóxico não chega a ser incomum, mas o detalhe é que a MP1 faz isso ao se ligar com dois lipídeos (moléculas de gordura) que células com alguns tipos de câncer próstata e bexiga, assim como uma variante especialmente resistente a medicamentos da leucemia, expressam na parte externa de suas membranas, e que em células saudáveis permanecem “escondidos” na parede interna das mesmas. E é por isso que um medicamento que tenha como base este composto apresenta esse potencial de matar apenas as células doentes.

Esta característica da MP1 de atacar só células doentes é muito interessante e é por isso que estamos tão animados, conta Mário Sérgio Palma, professor do Centro de Estudos de Insetos Sociais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e um dos coautores da pesquisa. Estamos mexendo com algo que pouca gente ousou mexer, tentando desenvolver uma droga que interfira com a parede e não com o núcleo das células cancerosas, o que já é alvo de muitas pesquisas. Isso vai servir de base para toda uma nova classe de medicamentos contra o câncer e também nos dá condições de driblar resistências, já que o modo como a membrana se forma é uma característica muito rígida dos organismos e é muito difícil sua estrutura mudar.

A animação de Palma é dividida por Paul Beales, pesquisador da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e colíder do estudo, e por João Ruggiero Neto, também da Unesp.

Isso pode ser muito útil no desenvolvimento de terapias combinadas contra o câncer, em que múltiplas drogas são usadas simultaneamente para atacar diferentes partes das células cancerosas ao mesmo tempo, destaca Beales.

Segundo Palma, a ideia agora é manipular a estrutura da MP1 para ver se outros formatos da molécula se mostram mais eficientes no ataque às células cancerosas enquanto continuam a poupar as saudáveis, assim como avançar para experimentos com modelos animais para comprovar sua eficácia e segurança, até chegar a ensaios clínicos com seres humanos. Este processo pode levar muitos anos, mas já esbarra nas costumeiras burocracia e falta de recursos que afligem a ciência brasileira, lamenta o pesquisador:

“Já sabemos como devem ser as próximas fases da pesquisa e quanto isso deverá custar, só não sabemos se e quando teremos os recursos para isso,” frisou o pesquisador da Unesp.

Fonte: Por Cesar Baima – Jornal O Globo

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