A chegada de imigrantes a um novo território é carregada de desafios. Não só para quem inicia uma vida nova em outro país, mas também para quem recebe, muitas são as barreiras a serem superadas. Em Criciúma, cidade que historicamente recebe estrangeiros, alguns desses entraves foram identificados em um ponto crucial para a vida: o atendimento em saúde.
A dificuldade de comunicação para atendimentos básicos foi o estopim para o início de um projeto de Extensão protagonizado pela Unesc com o propósito de entender todo o contexto desta imigração, identificar as dores das famílias estrangeiras que chegam ao município e trabalhar em busca de uma forma colaborar com a solução destes problemas.
Assim, nasceu o Imigra SUS, projeto que durante dois anos mergulhou no estudo teórico e na prática da cidadania por meio de acadêmicos e professores de diferentes áreas do conhecimento. A ação, que integra o programa Institucional da Diretoria de Extensão, Cultura e Ações Comunitárias, o Território Paulo Freire II, culminou, entre outros trabalhos, na elaboração de uma cartilha para gestantes produzida em quatro idiomas: Português, Inglês, Francês e Crioulo.
Com o material em mãos, profissionais da saúde das Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos bairros Boa Vista, Jardim Angélica, Milanese, Paraíso, Santa Augusta, Tereza Cristina, Pinheirinho e Universitário, que integram o Território, têm a possibilidade de oferecer informação resolutiva, por completo, e desta forma, multiplicar cidadania.
Ação multiprofissional
A proposta envolveu aproximadamente 20 pessoas entre acadêmicos bolsistas dos cursos de Medicina, Psicologia e Letras, e professores de História, Psicologia, e Medicina, além de voluntários.
O desconforto sentido ao estar cara a cara com uma paciente imigrante e sentir que não estava conseguindo ajudá-la por conta das barreiras do idioma, conforme a estudante da 11ª fase do curso de Medicina, Ana Beatriz Bressan Damian, foi crucial para o crescimento do desejo de estudar a fundo e encontrar alternativas para a situação.
“Ficar diante de uma pessoa em situação de emergência ou prestes a dar à luz sem conseguir transmitir as informações necessárias e, principalmente, deixar claro que estamos ali para fazer tudo por ela, é muito angustiante. Vivenciar essas situações no atendimento à comunidade acendeu uma luz muito forte de que algo precisava ser feito”, descreve.
Esse é apenas um dos muitos exemplos encontrados ao longo do projeto que demonstram o que o grupo chama de “uma imensa barreira” que divide os imigrantes dos nativos. “Analisamos o fato de que houve um crescimento significativo no número de famílias que vieram para o Brasil e para Criciúma, considerando também que não há previsão ou planejamento de uma política pública específica para lidar com essa situação, ou seja, seria preciso agir de alguma forma”, acrescenta Ana.
Estudos; leituras e discussões de artigos; conversas com lideranças das comunidades de estrangeiros no município; reuniões com profissionais que atuam nas UBS e têm contato constante como este público; ações de informação nos principais pontos nos quais as comunidades transitam: foram meses de intenso trabalho coletivo com o propósito de diminuir os muros que separam tanto. Tudo isso com o afeto e o respeito à cultura como base para uma relação de construção coletiva.
Cartilha informativa como resultado valioso
Sob diferentes pontos de vista e já com a bagagem cheia de conhecimento adquirido ao longo da pesquisa, o grupo preparou as cartilhas para as gestantes como a materialização de um trabalho feito com entusiasmo.
Baseado no material utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com denso conteúdo dentro da temática, a cartilha reúne o que há de principal em informações e orientações para as gestantes. “Fizemos uma escolha criteriosa do conteúdo para que seja certeiro. Que contenha aquilo que precisa ser dito de forma muito clara. Ao transmitir essa informação de maneira acessível no idioma dessa paciente estamos oferecendo autonomia, segurança, protagonista neste momento”, destaca a acadêmica de Medicina.
“Sem isso, muitas vezes dependíamos de mímicas, tradutores voluntários ou ajuda da tecnologia, mas nada tão eficiente que deixasse todos seguros de que a mensagem foi recebida na integralidade, ou seja, que seriam tomadas as medidas, cuidados e tratamentos de forma correta”, relembra ainda.
As informações contidas nos materiais foram traduzidas por voluntárias e os folders impressos com o custeio do próprio projeto. Um trabalho que, para a professora coordenadora da equipe, Lucy Cristina Ostetto, representa o envolvimento de muitas mãos. “O projeto demonstra muito o ensinamento de Paulo Freire que diz respeito à interculturalidade. Ele cumpre o papel de reconhecer o sujeito como um ser de direito e que todos se completam”, pontua.
Esse olhar múltiplo, para a estudante da 6ª fase do curso de Psicologia, Fabiana Tresbach Torres, promove a oportunidade de os estudantes sentirem na pele aquilo que tanto estudam na sala de aula. “Nós sabemos, estudamos, pesquisamos e já temos ideia do que significa ser imigrante. Mas ver de perto, olhar no olho e ver outras faces dessa situação é algo muito enriquecedor. Foi minha primeira experiência com a Extensão e levo como algo muito rico para a minha formação”, avalia.
“Além da bagagem profissional, participar de ações que promovem algo prático em prol da vida de alguém é gratificante demais. Como é bom o sentimento de saber que o nosso trabalho vai fazer a diferença para as pessoas”, aponta também.
Saúde integral do ser humano
Do ponto de vista da Psicologia, conforme a professora Dipaula Minotto, o projeto trabalhou em torno do conceito ampliado de saúde. “Abordamos o atendimento em saúde e as necessidades do ser humano muito além da ‘ausência de doença’. O objetivo foi oportunizar um olhar atento à saúde integral, alcançando conceitos de condições de vida dignas e o equilíbrio nos âmbitos emocional, espiritual e físico, respeitando muito a bagagem que já trazem das suas culturas locais”, define.
A escolha pela produção de material gráfico focado nas gestantes, de acordo com a professora, se deu pelo fato de este público ser apontado como uma das principais demandas. Para quem vive a realidade do atendimento em saúde, como a enfermeira e gerente da Estratégia Saúde da Família do bairro Pinheirinho, Laís Righetto Mafra, receber as cartilhas foi uma ajuda e tanto.
“Temos uma demanda muito grande de imigrantes e, de fato, enfrentamos um desafio imenso com a linguagem. Muitas mulheres destas comunidades trabalham como donas de casa e convivem apenas entre os próprios imigrantes, dificultando o desenvolvimento da comunicação na Língua Portuguesa”, contextualiza.
O grupo tem a ideia de apresentar o resultado do projeto à Secretaria de Saúde de Criciúma e, assim, buscar a oportunidade de apoio para multiplicar os exemplares e colaborar com ainda mais pessoas que procuram os espaços de saúde do Município. “A cartilha permite que a mulher seja autônoma no seu cuidado. Ao conseguir ler e entender no seu idioma nativo, ela já vai saber como agir nas principais situações. Que bom se todas as áreas do cuidado tivessem um material rico como esse”, opina Laís.
O material está disponível também na página no Instagram @ImigraSus, canal pelo qual é possível tirar dúvidas e entrar em contato com a equipe que desenvolveu o projeto.
Participaram também do projeto os professores Aníbal Dário, do curso de Medicina, e Fernanda Lima, do curso de Direito, esta como voluntária, além da acadêmica do curso de Letras Zakiyatu Salihu Larry, natural de Gana.
Foto: Divulgação/AGECOM/UNESC
Fonte: AGECOM/UNESC