No instituto federal, mapeamento com alunos já foi feito e tem baseado ações; na universidade, a pesquisa será aplicada a partir desta semana
Ainda nesta semana, a Universidade de Brasília (UnB) começará a aplicar questionários a estudantes, professores e técnicos. As respostas servirão para nortear a estratégia de retomada após a crise de coronavírus. As perguntas avaliarão questões como saúde, inclusão digital, situação socioeconômica, espaço e convivência familiar.
Questionado sobre como ficam os universitários sem internet que, exatamente por causa disso, podem não ser capazes de responder ao questionário, o vice-reitor da UnB, Enrique Huelva, diz que a instituição tomará medidas para que eles não sejam excluídos. As perguntas devem ficar no ar por duas semanas, acessíveis também por celular, explica Huelva. “O percentual de alunos que não têm celular é bem mais baixo. E vamos monitorar a quantidade de estudantes que não responderem, justamente para não excluir esse perfil”, afirma.
“A nossa preocupação é não aumentar desigualdades nem deixar ninguém para trás, nem agora, na captação das respostas, nem na volta às aulas.” Coordenador do Comitê de Coordenação de Acompanhamento das Ações de Recuperação (CCAR), o vice-reitor explica que um dos lemas ao planejar a retomada é justamente “não deixar ninguém para trás”. Outro mote é “agir com dados técnicos para não dar nenhum passo em falso”.
Até para entender as distintas realidades dos alunos e os desafios enfrentados por eles a pesquisa é tão importante, e quanto maior a adesão, melhor será o planejamento. O levantamento é majoritariamente objetivo, mas há também questões subjetivas: por exemplo, para avaliar a qualidade da internet, em vez de perguntar a velocidade, o questionário pede para descrever com que facilidade a pessoa baixa imagens ou vídeos.
Universidade parada?
Enrique Huelva esclarece que, apesar da suspensão das aulas, a UnB não parou completamente. Orientações de mestrado, doutorado e iniciação científica, pesquisas e área administrativa estão em pleno funcionamento. “Temos mais de 100 projetos em andamento voltados ao combate da epidemia, indo da elaboração de aplicativos à pesquisa epidemiológica em si”, completa.
Além disso, é grande o esforço para normalizar as aulas também. “Estamos trabalhando diuturnamente para retomar as atividades o mais rápido possível e de forma segura”, diz. “Estamos fazendo um planejamento amplo, mas com bastante cautela. O modelo está em construção, sendo feito em amplo diálogo com a comunidade e será submetido à aprovação dos órgãos colegiados. Na UnB, a aprovação é de baixo para cima”, explica Enrique Huelva.
Retomada planejada em etapas
A estratégia de retorno da UnB será por etapas, mas ainda não estão definidas datas ou quantas fases serão nem a duração de cada uma. A etapa 0 será a do retorno não presencial, incluindo um conjunto de atividades que podem ser feitas remotamente que dependerão de cada disciplina ministrada na UnB, com cada professor e colegiado de curso avaliando o que é possível em sua área. O vice-reitor observa que “podem ser coisas que vão mais no sentido de EAD”.
No entanto, ele faz uma diferenciação: “Para nós, é bem claro que nossos cursos são presenciais. Isso está ancorado nos nossos projetos político-pedagógico. Estamos numa situação excepcional. Além disso, a EAD é a baseada num conjunto de metodologias próprias”, alerta. “Então, o que vamos fazer não se trata de EAD. No entanto, vamos construir alternativas não presenciais que, se aprovadas pelo Cepe (Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão), terão caráter de obrigatoriedade.”
“Começamos com a etapa 0, não presencial, que já pode começar tão logo essa avaliação acadêmica e socioeconômica seja feita, e vamos avançando até a etapa final, que seria o ‘novo normal’ como o pessoal está denominando. Conjuntos de parâmetros epidemiológicos e de saúde pública vão orientar o que pode ou não acontecer em cada etapa e quando a UnB poderá passar para a etapa seguinte”, explica o vice-reitor. Tudo será avaliado também de acordo com a realidade do Distrito Federal e com diálogo com o governo local.
“A UnB representa mais de 50 mil seres humanos, distribuídos em todas as regiões administrativas do DF e inclusive de fora do DF. Tudo tem que ser avaliado com muita cautela”, diz. Há que se considerar também questões globais, como as condições de transporte público para que alunos cheguem à universidade. Ele pondera que uma retomada total deve demorar. Poderão ser reiniciadas primeiro, provavelmente, as matérias mais teóricas e podem ter atividades remotas; as disciplinas mais práticas precisarão ficar para depois.
IFB planeja retorno e entende desafios dos alunos
O Instituto Federal de Brasília (IFB) parece estar um passo à frente da UnB no planejamento da retomada porque já aplicou questionários à comunidade acadêmica. Os resultados foram surpreendentes até para a reitora, Luciana Massukado. “Temos 80% dos alunos em situação de vulnerabilidade. A linha de corte é de 1,5 salário per capita. Há muitos deles com dificuldades de conexão”, aponta.
Para ajudar os alunos, o IFB liberou uma espécie de pagamento de auxílio emergencial para integrantes do grupo mais vulnerável, entregou cestas básicas e disponibilizou acompanhamento psicológico. Até por isso, enquanto o passe estudantil não voltar, não há como pensar em volta às aulas. “Sem o passe, seria impossível para muitos estudantes gastar R$ 7, às vezes R$ 10 por dia para se deslocar.”
Há estudantes que até têm celular ou computador, mas contam uma internet muito fraca, que não permitiria acompanhar aulas on-line. Outros precisam dividir o dispositivo digital com os pais, sendo que muitos pais estão trabalhando em casa. O dia a dia familiar também foi levado em conta na pesquisa.
“Tendo em vista esse levantamento, estamos estudando protocolos para saber quais são as melhores alternativas”, diz Luciana. Ela pondera que o retorno presencial só vai ocorrer quando a segurança de saúde e sanitária dos professores, técnicos e estudantes for garantida por autoridades sanitárias. Em todos os câmpus espalhados pelo DF, o IFB conta com 18.272 aluno (de ensino médio, técnico, superior e mestrado), 705 professores e 590 técnicos.
O instituto federal constituiu um comitê de emergência para acompanhar a pandemia, analisar protocolos de saúde, orientações do governo federal e do GDF. “No meu entendimento e de outras pessoas, as escolas, as instituições de ensino, devem ser os últimos estabelecimentos a retornar, pois têm uma característica natural de aglomeração. Mas sabemos que um dia vamos voltar e estamos nos preparando para isso”, explica.
Ainda não se trabalha com datas nessa discussão. “O governador até comentou que a volta às aulas poderia ser em agosto. Talvez antes de agosto a gente não volte mesmo”, diz Luciana.
EAD inviável?
Segundo a reitora, um dos motivos que motivou a não-migração para a EAD foi a percepção de falta de acessibilidade à tecnologia em muitos alunos. “Não podemos fazer isso até para não aumentar desigualdades que já existem fora do ambiente escolar”, justifica.
“A gente até pensou que a quantidade de alunos sem acesso seria menor, mas vimos que é grande. E tem também outras questões agora, como o fator psicológico, o convívio familiar com pessoas perdendo renda e emprego. E há inclusive muitos alunos que trabalham e também ficaram desempregados…”
Após resolução do Conselho Nacional de Educação (CNE) que amplia estratégias remotas de ensino, a reitora avalia disponibilizar outras opções para os alunos sem internet. Enviar materiais por Correios ou deixar no câmpus para os estudantes buscarem estão entre as possibilidades consideradas. “Estamos vendo a possibilidade de educação remota, que não é necessariamente EAD.”
A recepção da comunidade acadêmica varia: há alunos agoniados para voltar e outros mais preocupados com a saúde, mesmo entre os que estão no 3º ano do ensino médio e farão o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) e vestibulares. “Temos estudantes com diferentes faixas de renda domiciliar. E há alunos que compreendem a suspensão até porque veem os colegas com dificuldades de acesso, mesmo que eles mesmos tenham internet”, conta.
Para manter em atividade os estudantes que têm acesso à internet, o IFB tem oferecido atividades opcionais, incluindo lives, discussões, clubes de estudo por WhatsApp. “Tem professores que enviam atividades em vídeo. Por exemplo, na área de alimentos, eles ensinam como fazer corte juliene, e os alunos fazem e enviam fotos. Mas isso não conta como carga horária”, esclarece a reitora.
Como será o novo normal?
Quando imagina a possibilidade de volta às aulas, a imagem que vem à mente da reitora Luciana é bem diferente de como costumava ser o cotidiano de sala de aula. “Os alunos precisarão estar distanciados, precisaremos rever os espaços de sala de aula, o funcionamento da biblioteca, o próprio registro acadêmico quando a comunidade for fazer matrícula ou pegar alguma declaração…”, comenta.
“Estamos analisando como será o uso de carros oficiais, onde vamos espalhar dispensers de álcool em gel, pensando na distribuição de máscaras, na compra de produtos para desinfeção dos ambientes”, elenca. Um protocolo estabelecendo as regras para o “novo normal” no IFB deve ficar pronto até o fim do mês, mas ele será revisado constantemente.
“A volta as aulas não vai ser um evento. Vai ser um processo, que está no início, com muita discussão e muita escuta.” Reuniões com alunos e pais de alunos no Google Meet, por exemplo, têm sido usadas para isso.
Instituto ativo
Projetos de pesquisa e extensão também não pararam. Inclusive, editais voltados ao enfrentamento da covid-19 foram lançados. Professores e técnicos estão produzindo face shield (máscaras de acetato) para doar a profissionais de saúde, feitas nas várias impressoras 3D espalhadas pelos laboratórios do instituto.
As aulas do mestrado, que já previam um ambiente virtual de aprendizado, continuaram, e houve até duas defesas com transmissão virtual. Nos cursos superiores, os alunos fazendo TCC tiveram assistência, e haverá em breve a primeira defesa on-line.
As decisões tomadas no IFB independem das aplicadas nos outros 38 institutos federais, os Cefets (Centros Federais de Educação Tecnológica) e o Colégio Pedro II (Rio de Janeiro), que integram a rede federal de educação profissional, científica e tecnológica.
“Temos cerca articulação, mas estamos espalhados em mais de 600 municípios, as características são diferentes, é inviável ter um protocolo único. Cada um vai voltar no seu tempo e cada um segue as recomendações dos governos locais”, diz Luciana.
Foto: Ed Alves/CB/D.A Press
Fonte: Correio Braziliense