UFU e universidade italiana desenvolvem pele eletrônica que identifica toque com precisão

Resultado de estudo é avanço para biônica e robótica colaborativa

Pesquisadores da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), em parceria com a Scuola Superiore Sant’Anna, da Itália, conseguiram desenvolver uma pele eletrônica capaz de identificar e localizar toques com precisão.

O trabalho, coordenado pela UFU e pela instituição italiana, foi publicado na revista Nature Machine Intelligence no início de agosto deste ano e tem como primeira co-autora Ana Clara Pereira Resende da Costa, recém-formada doutora pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia Biomédica (PPGEB/UFU).

A pele artificial tem funcionalidade tátil similar à pele humana. O estudo é um avanço para a biônica (como exoesqueletos e próteses utilizadas por amputados) e para a robótica colaborativa (robôs que trabalham ao lado de humanos), e contribui para o desenvolvimento de pesquisas sobre o sistema somatossensorial humano, responsável pela percepção de estímulos aplicados ao corpo.

Além de reproduzir sensibilidade semelhante à da pele humana, a tecnologia simula a forma como o cérebro localiza e interpreta estímulos táteis. A pele inteligente é equipada com uma rede de sensores dispostos ao longo de uma fibra fotônica (uma espécie de evolução da fibra óptica) capazes de detectar pressão e toque em tempo real.

Permitir a um robô ou a uma prótese perceber toques em sua estrutura foi o desafio que guiou os estudos de Ana Clara Costa, nos seus cursos de mestrado e de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Biomédica da UFU, entre 2018 e 2024, sob orientação do professor Alcimar Barbosa Soares, responsável pelo Laboratório de Engenharia Biomédica (BioLab).

Como explica Alcimar Soares, docente da Faculdade de Engenharia Elétrica (Feelt/UFU) e um dos autores do artigo, a pesquisa faz parte dos desenvolvimentos vinculados a uma rede de pesquisa mundial, em que participam, além do laboratório italiano, laboratórios nos Estados Unidos, em Cingapura e no Catar. Um dos objetivos da rede é o desenvolvimento de uma nova geração de próteses com características mais similares aos membros humanos naturais.

Alcimar Soares e Ana Clara Costa fazem parte da equipe que desenvolveu pele eletrônica inovadora. (Foto: Marco Cavalcanti)
Alcimar Soares e Ana Clara Costa fazem parte da equipe que desenvolveu pele eletrônica inovadora. (Foto: Marco Cavalcanti)

Em pessoas amputadas, por exemplo, a musculatura presente no coto (parte do membro que permaneceu no corpo) ainda é controlada pelo cérebro. Assim, eletrodos posicionados sobre os músculos do coto detectam os comandos vindos do cérebro que, após processados, são utilizados para controlar os movimentos da prótese. Esta tecnologia já está bem estabelecida pela ciência e vem se desenvolvendo desde a década de 1970, afirma Soares.

“Próteses mais sofisticadas, capazes de realizar movimentos de dedos etc, começaram a surgir no final da década de 1980. Tais próteses, hoje, permitem que o sujeito as utilize para realizar movimentos ‘bem complicados’, como segurar um cartão de crédito, graças ao uso de técnicas de inteligência artificial”, afirma Soares. As próteses comerciais, no entanto, não possuem um mecanismo para dar um retorno tátil, característica fundamental para que a prótese seja percebida pela pessoa como parte de seu corpo e não como uma ‘ferramenta’ a ser utilizada.

Se fazer uma prótese segurar um cartão de crédito não é tarefa simples, imagine criá-la com capacidade de sentir! O desafio é imenso, e passa pela compreensão de como nosso sistema nervoso realiza tal função. Ao entrarmos em contato com uma superfície, por exemplo, sensores táteis (neurônios sensitivos) sob a pele, transmitem informações simultâneas que, ao serem processadas pelo cérebro, nos permitem reconhecer sensações como textura, pressão, temperatura, vibração, dor etc.

“Os humanos possuem entre 10 mil e 20 mil sensores táteis na palma da mão. A técnica tradicional para distribuir sensores sobre uma superfície envolve o uso de, pelo menos, um fio para cada sensor eletrônico. Imagine a quantidade de fios que seria necessária se tentássemos replicar isso! Nossa pesquisa foi capaz de gerar uma pele artificial com capacidade de emular mais de mil sensores táteis utilizando apenas 21 sensores eletrônicos”, afirma Soares.

Equipamento utilizado em experimentos do Laboratório de Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia Elétrica da UFU. (Foto: divulgação/Feelt)
Equipamento utilizado em experimentos do Laboratório de Engenharia Biomédica da Faculdade de Engenharia Elétrica da UFU. (Foto: divulgação/Feelt)

Desenvolver a sensação tátil em sistemas artificiais está mobilizando cientistas do mundo em um trabalho colaborativo. O modelo de pele eletrônica desenvolvido a partir da parceria com a instituição italiana é feito de silicone — material flexível — e composto por uma rede de neurônios bioinspirada que emula o sistema somatossensorial de parte de um antebraço (cerca de 15 cm²).

No nosso organismo, a percepção do tato ocorre em etapas. Primeiro, quatro tipos diferentes de neurônios (os mecanorreceptores) percebem o estímulo e enviam informações para o núcleo cuneiforme, região do cérebro onde os cientistas acreditam ser o primeiro estágio de decodificação do estímulo tátil dos membros superiores. Em seguida, os neurônios cuneiformes processam os dados, fazendo a conversão temporal-espacial, fundamental para a identificação da localização, duração e intensidade do estímulo. Só então, essas informações vão para outra parte do cérebro, o córtex para a interpretação.

Multiplicação

O trabalho de fazer com que uma rede neural eletrônica se comporte de forma semelhante ao sistema nervoso humano, com mecanoreceptores e o núcleo cuneiforme, foi carregado de diversos desafios.

Um deles foi matemático. A densidade de sensores na pele eletrônica desenvolvida era muito baixa, mais baixa do que aquela em nosso braço, por exemplo. Como aumentar a quantidade de sensores não era uma opção, pelos motivos destacados anteriormente, “a equipe brasileira desenvolveu um modelo matemático neuromimético que permitiu aumentar drasticamente a capacidade de discriminação espacial de estímulos na pele”, conta Costa.

Para decodificar as informações táteis detectadas pela rede de sensores, os cientistas criaram uma rede neural artificial que emula as funções do núcleo cuneiforme gerando um mapa somatotópico da pele, ou seja, uma representação espacial semelhante à gerada pelo núcleo cuneiforme e pelo córtex somatossensorial humano.

O próximo passo dos pesquisadores é transferir as informações processadas pela rede neural biomimética, representada no mapa somatotópico, para um sistema que estimule os nervos da pessoa, transferindo as informações diretamente para o cérebro.

Para o desenvolvimento dos estudos foram necessários financiamentos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Fonte: Portal Comunica / Universidade Federal de Uberlândia