*Ronaldo Mota
Os mais de 8 milhões de matrículas do ensino superior brasileiro refletem principalmente um crescimento acentuado do setor privado nos últimos anos. Em especial, via as instituições educacionais ancoradas em empresas que têm procurado, cada qual a sua maneira, conjugar quantidade e qualidade.
Vivenciamos o ingresso acelerado em uma sociedade em que a informação está totalmente acessível e instantaneamente disponibilizada, na qual os perfis dos profissionais demandados se alteram profundamente. Neste novo cenário, o processo de aprendizagem é essencialmente reconfigurado visando a atender em grande escala a demanda de ensino personalizado em um contexto de educação permanente ao longo da vida. Os desafios contemporâneos passam a ser, principalmente, a geração de uma educação híbrida e flexível provedora de trilhas educacionais que consigam atender aos mais variados perfis e expectativas.
A educação flexível resulta dos pressupostos de que todos educandos aprendem, todos aprendem o tempo todo e, especialmente, cada um aprende de maneira pessoal e única. Para desenhar essas trajetórias personalizadas que maximizam o processo de aprendizagem é necessário uso intenso de tecnologia, liberar amarras burocráticas e estimular criatividades e experimentações. No entanto, como bem apontado pelo educador Edson Nunes, ex-Presidente do Conselho Nacional de Educação-CNE, as barreiras são enormes. Entre elas, os obstáculos criados de parte das profissões regulamentadas, ancorados em diretrizes curriculares nacionais rígidas, indutoras de conteúdos e abordagens. O Exame Nacional de Avaliação de Desempenho dos Estudantes, ENADE, completa o engessamento priorizando o específico, em detrimento do geral, num mundo em que o aprender a aprender é tão ou mais importante do que o que foi aprendido.
O setor público do ensino superior, pelas boas condições que reúne, teria condições de enfrentar esses problemas e apresentar soluções. No entanto, na prática, por limitações específicas e velocidades peculiares, resulta que temos hoje experiências localizadas que não escalam suficientemente para alterar o quadro vigente. O setor privado, por sua vez, é beneficiário do fenômeno de escala e da possibilidade de adoção rápida de tecnologias e metodologias inovadoras, bem como, em geral, é mais próximo no atendimento de demandas do mercado e do mundo do trabalho. As tecnologias digitais aplicadas aos processos educacionais, ao tempo que reduz custos, permitem ampliar qualidade e desenvolver modelos acadêmicos flexíveis. Neste mundo em que saber tratar muitos dados é essencial, a escala, ao contrário de reduzir qualidade, pode ser elemento indispensável para ampliá-la de forma criativa e sustentável.
As instituições educacionais brasileiras somente serão competitivas no mercado nacional se puderem atuar globalmente, sendo competentes no desenvolvimento de ambientes virtuais de aprendizagem e, desta forma, fazerem frente às empresas internacionais, altamente competitivas, já presentes no território nacional. Nenhuma delas, provavelmente, logrará enfrentar este desafio sozinha.
Assim, mais relevante do que se digladiarem por espaços, o melhor caminho é a junção de esforços na consolidação do país enquanto produtor de conteúdos educacionais no estado da arte. Não há chance de sobrevida no mundo digital, a não ser na condição de usuário passivo e dependente, sem a capacidade de desenvolvimento de inteligência para entender os educandos, seja em suas fragilidades, suas potencialidades e seus desejos, e na capacidade de desenhar as trilhas educacionais correspondentes que melhor se adaptam a cada caso.
Em suma, há que se ir além das clássicas disputas no sangrento mar vermelho e enxergar além, explorando possibilidades de navegar conjuntamente em direção ao oceano azul.
*Ronaldo Mota é reitor da Universidade Estácio de Sá
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