A partir de 2025, os procedimentos da avaliação quadrienal da pós-graduação stricto sensu serão ampliados no que se refere à classificação da produção intelectual. O foco passa a ser os artigos científicos publicados e não mais o Qualis periódicos, que classifica os periódicos onde os textos são divulgados. A nova sistemática foi aprovada pelo Conselho Técnico Científico da Educação Superior (CTC-ES) da CAPES e valerá para o ciclo que vai deste ano até 2028.
Foram definidos três procedimentos para a classificação dos artigos (veja detalhes abaixo). Cada uma das 50 áreas de avaliação da CAPES poderá adotar um dos itens, ou a combinação entre eles. Um dos procedimentos da nova metodologia vai permitir, por exemplo, que três artigos científicos publicados em um mesmo periódico possam ter classificações diferentes, pois os indicadores bibliométricos dos artigos não são os mesmos. Com isso, um texto poderá receber classificação melhor do que o outro.
A ideia é que ao classificar o artigo seja possível ter uma melhor dimensão do conteúdo produzido e da sua repercussão. O objetivo com a ampliação é abrir espaço para acolher outras informações, métricas e metodologias que a avaliação contemporânea da produção científica nos cursos de mestrado e doutorado demanda.
Para a professora Rosilane Magalhães, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI), a mudança traz benefícios a toda comunidade acadêmica, principalmente para os pesquisadores com limitados recursos para publicação em periódicos de maior impacto. “Esse novo modelo permite que pesquisadores de diversas regiões, que também fazem pesquisa em nível de excelência e com impacto local, possam ter oportunidades de maior visibilidade dos resultados de seus trabalhos”, reforça.
A professora da área de Letras da Universidade Federal do Acre (UFAC), Raquel Alves Ishii, afirma que a ampliação poderá representar um ganho para a pós-graduação stricto sensu. “Mas, esses benefícios vão depender dos procedimentos adotados pelas áreas de avaliação, na medida em que permitem o reconhecimento e valorização de artigos com grande impacto científico e que não estejam publicados em periódicos mais consolidados ou cujo acesso e publicação requeiram altos custos financeiros”, ressalta.
Já a professora da Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), Letícia Costa Lotufo, acredita que a medida vai possibilitar um olhar diferente para o artigo. “Necessariamente, nem tudo o que está publicado num jornal de altíssimo impacto teve um grande impacto na ciência. Por outro lado, um determinado artigo, em um periódico de menos impacto, pode ter trazido uma novidade na compreensão de uma doença, por exemplo”, justifica.
Mais visibilidade ao trabalho do pesquisador
Para Letícia Lotufo, que também é coordenadora na CAPES da Área de Avaliação de Ciências Biológicas II, a mudança na quadrienal poderá aumentar a presença dos pesquisadores em periódicos mais importantes para a sua área de atuação, sem levar em conta apenas o Qualis. “Nesse sentido, a avaliação mantém o seu papel de indutor de políticas para a melhoria da pós-graduação”, acrescenta.
Na opinião de Raquel Ishii, a mudança poderá permitir que pesquisadores tenham seus artigos visibilizados e valorizados, independentemente do periódico em que publiquem, não apenas junto à comunidade científica, mas também diante de um público mais amplo, potencializando o impacto social. “A alteração acabaria por se tornar uma indutora para que a publicação científica caminhe em direção à sua popularização e ao acesso mais democrático ao saber produzido por meio da pesquisa científica”, defende.
Rosilane Magalhães acredita que esse reconhecimento do pesquisador pode impactar os processos de avaliação individual, por exemplo junto às agências de fomento, pelo mérito próprio e não pelo periódico onde foi publicado o artigo. “Essa visibilidade de forma igualitária, pelo poder de citação do artigo, fortalece a qualidade da pesquisa no Brasil e reduz assimetrias de publicação em diversas regiões”, destaca. Dessa forma, para ela, o artigo passa a contribuir para dar mais relevância aos problemas de várias regiões do Brasil e pode ampliar articulação nacional e internacional.
Enfretamento das assimetrias regionais
A mudança na avaliação, olhando agora para a qualidade do artigo, também poderá contribuir para enfrentamento da desigualdade em relação a publicação científica. “Esse novo modelo pode ser benéfico para pesquisadores que enfrentam dificuldades no acesso à publicação, em relação aos custos”, comenta Rosilane Magalhães. Ela explica que em seu programa de pós-graduação na UFPI, em 2021, iniciou proposta de maior integração entre a graduação e a pós-graduação com o objetivo de preparar os estudantes, desde cedo, para a importância da qualidade da produção intelectual, por meio de grupos de pesquisa e participação em projetos de pesquisa.
Segundo Raquel Ishii, a mudança na avaliação pode abrir caminho para que artigos publicados em periódicos com altos índices de citação sejam avaliados por seu mérito e não pelo veículo, mas, para ela, o tema da desigualdade em relação às publicações científicas não se limita a isso. “Como editora de um periódico vinculado a um programa de pós-graduação em Letras da Região Norte, não posso deixar de mencionar que o enfrentamento das desigualdades na publicação científica se faz com investimentos e política editorial formulada pelos pares e não se limita em termos de resolução, portanto, à mudança de critério avaliativo”, argumenta.
Ao olhar para o artigo de uma forma mais qualitativa, Letícia Lotufo acredita que a mudança abrirá a possibilidade de valorizar pesquisas de importância local, inclusive em regiões assimétricas. “Você permite que trabalhos de alta relevância sejam pinçados e valorizados, independentemente do veículo de publicação. Assim, acho que podemos ter uma redução de assimetria na avaliação qualitativa, sim, enquanto não lidarmos com a questão do sistema de produção científica monetizado”, conclui.
Três procedimentos para a classificação dos artigos:
Primeiro – a classificação se dará pelos indicadores bibliométricos dos veículos de publicação, baseada no desempenho da revista, como é feito atualmente pelo Qualis Periódicos, mas a classificação vai recair sobre os artigos.
Segundo – combina indicadores do periódico e do artigo. Partindo do desempenho bibliométrico do periódico, pode ser adicionado na classificação do artigo elementos qualitativos do periódico, como critérios de indexação, acesso aberto, dentre outros. Serão considerados também os indicadores extraídos diretamente do artigo, por exemplo, o número de citações, o índice de citação normalizada por campo de pesquisa (FWCI), dentre outros.
Terceiro – a análise qualitativa de artigos será baseada em fatores e metodologias definidos pela área de avaliação que podem abarcar, por exemplo, uma análise de pertinência do tema abordado, avanço conceitual proveniente do trabalho e a contribuição científica do estudo.
O detalhamento sobre a classificação de artigos do ciclo de Avaliação 2025-2028 consta no documento “Diretrizes comuns da Avaliação de Permanência dos Programas de Pós-Graduação stricto sensu”, disponível no seguinte link: https://www.gov.br/capes/pt-br/centrais-de-conteudo/documentos/avaliacao/19052025_20250502_DocumentoReferencial_FICHA.pdf
Fonte: CGCOM/CAPES