CNS faz recomendações ao MEC sobre estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia

A Recomendação 48, de 1º de julho de 2020, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), orienta o Ministério da Educação (MEC) quanto à observância do Parecer Técnico nº 162/2020, onde constam ponderações quanto às normas expedidas sobre estágios e inserção de estudantes e docentes nos serviços de saúde e no enfrentamento à pandemia de COVID-19.

Abaixo a íntegra da Recomendação e do Parecer Técnico:

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RECOMENDAÇÃO Nº 048, DE 01 DE JULHO DE 2020

Recomenda ao Ministério da Educação, que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, no que diz respeito a estágios e práticas na área da saúde durante a pandemia de Covid-19.

O Presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pelo Regimento Interno do CNS e garantidas pela Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990; pela Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990; pela Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012; pelo Decreto nº 5.839, de 11 de julho de 2006; cumprindo as disposições da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da legislação brasileira correlata; e

Considerando que Saúde e Educação são direitos estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948;

Considerando que Saúde e Educação são direitos constitucionais garantidos pela Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988;

Considerando que o art. 200, inciso III, da Constituição Federal de 1988, atribui ao Sistema Único de Saúde (SUS) a competência para “ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde”, diferentemente de “participar” ou “colaborar” suplementarmente;

Considerando os termos da Resolução CNS nº 350, de 9 de junho de 2005, que aprova critérios de regulação para a autorização e reconhecimento de cursos de graduação da área da saúde;

Considerando o reconhecimento da natureza singular da formação prática no ensino das profissões da saúde, sobretudo os estágios, que incluem o contato direto com diferentes profissionais e com pessoas e coletividades, e da necessidade de atuação em cenários de aprendizagem em que se realiza o trabalho na saúde, conforme a Resolução CNS nº 350/2005;

Considerando os termos da Resolução CNS nº 515, de 7 de outubro de 2016, que afirma posição contrária à autorização de todo e qualquer curso de graduação em saúde ministrado na modalidade Educação a Distância (EaD), bem como delibera que as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da saúde sejam objeto de discussão e deliberação do CNS de forma sistemática;

Considerando que a Resolução CNS nº 569, de 08 de dezembro de 2017, retoma a prerrogativa constitucional do SUS em ordenar a formação das(os) trabalhadoras(es) da área da saúde, bem como apresenta os princípios e diretrizes comuns para a formação em cursos da saúde;

Considerando os termos da Declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional, emitida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020, em decorrência da COVID-19 e suas sucessivas recomendações e orientações, embasadas na produção de conhecimentos e tecnologias desenvolvidas ao longo da pandemia e disseminadas para os diferentes países e instituições;

Considerando a Portaria nº 188, de 03 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde, que declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), em decorrência da nova doença por coronavírus, a COVID-19 (contaminação pelo vírus SARS-CoV-2, Novo Coronavírus), que coloca o país e suas instituições em alerta de emergência sanitária;

Considerando a Lei nº 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, que estabeleceu medidas para o enfrentamento da Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional decorrente da nova doença por coronavírus, a Covid-19 (contaminação pelo vírus SARS-CoV-2, Novo Coronavírus), visando à proteção das pessoas e das coletividades;

Considerando que o cuidado à saúde das pessoas e das coletividades no enfrentamento à COVID-19 requer o incremento do trabalho em saúde e a ativação dos serviços, das ações territoriais e da aprendizagem no trabalho e pelo trabalho, com a devida proteção física e psicossocial aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde e das demais áreas essenciais, conforme dispõe a Recomendação do CNS nº 020/2020;

Considerando que o contexto da pandemia e a experiência internacional permitem gerir o trabalho e a vida social das pessoas e coletividades durante o enfrentamento à pandemia, reconhecendo a necessidade de trabalhos essenciais para a preservação da vida durante a emergência sanitária e recomendando o isolamento social e a redução do risco de contágio, ao tempo em que propõe medidas de proteção e suporte aos trabalhos essenciais e de saúde;

Considerando, com base nessas premissas, que o Conselho Nacional de Saúde tem o dever constitucional e legal de emitir seu posicionamento contrário às práticas e estágios na modalidade EaD e/ou remota durante a pandemia de COVID-19; e

Considerando as atribuições conferidas ao presidente do Conselho Nacional de Saúde pela Resolução CNS nº 407, de 12 de setembro de 2008, Art. 13, Inciso VI, que lhe possibilita decidir, ad referendum, acerca de assuntos emergenciais, quando houver impossibilidade de consulta ao Plenário, submetendo o seu ato à deliberação do Pleno em reunião subsequente.

Recomenda ad referendum do Pleno do Conselho Nacional de Saúde

Ao Ministério da Educação que observe o Parecer Técnico nº 162/2020, em anexo, no qual constam ponderações quanto às normas expedidas sobre estágios e inserção de estudantes e docentes nos serviços de saúde e no enfrentamento à pandemia de COVID-19.

FERNANDO ZASSO PIGATTO
Presidente do Conselho Nacional de Saúde


Parecer Técnico nº 162/2020

Introdução

A Comissão Intersetorial de Recursos Humanos e Relações de Trabalho do Conselho Nacional de Saúde (CIRHRT/CNS), diante da publicação da Portaria MEC nº 544/2020 e da Nota Técnica Conjunta nº 17/2020/CGLMRS/DPR/SERES, que trata da substituição de atividades presenciais por atividades mediadas por meios digitais no ensino superior enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavirus (COVID-19), incluindo os cursos da área da saúde, manifesta-se em desacordo com o proposto, em razão dos argumentos que seguem.

O contexto atual e os desafios ao trabalho em saúde

A temática do ensino remoto na saúde é objeto de formulações prévias do Conselho Nacional de Saúde. O Parecer Técnico nº 300/2017, anexo à Resolução CNS nº 569/2017, e com base na Resolução CNS nº 515/2016, posicionou-se de forma contrária à autorização de todo e qualquer curso de graduação da área da saúde ministrado na modalidade Educação a Distância (EaD). Neste mesmo documento explicita que a utilização das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) em cursos de graduação na modalidade presencial, devidamente utilizadas e pedagogicamente justificada, deve promover a qualificação dos processos de ensino-aprendizagem.

A formação das profissões da saúde tem como perspectiva assegurar a dimensão ética no trabalho, a menor ocorrência de erros e a Segurança do Paciente como alguns dos atributos da qualidade do cuidado. Desta forma, os núcleos de conhecimento e práticas previstos nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos cursos da área da saúde, somente são desenvolvidos em diálogo com esse complexo cenário em que o trabalho em saúde se realiza com suas populações, não havendo qualquer possibilidade de equivalência com a formação mediada por tecnologias que substituam o contato direto entre profissionais e usuários. Da mesma forma, durante o enfrentamento à pandemia, a assistência às pessoas atingidas pela doença e a vigilância das condições em que ela se propaga e subsidia a decisão de gestores e instituições não pode ser feita dispensando o contato direto dos trabalhadores e da população. A diferença necessária, no contexto da emergência sanitária, é que o trabalho em saúde e os demais trabalhos essenciais seja envolto em medidas adicionais e adequadas de proteção física e psicossocial dos seus atores.

No trabalho em saúde, espera-se que os profissionais de saúde tenham atitudes de escuta, alteridade, empatia, comunicação, oportunizadas e mantidas no contato direto com o ser humano, e essas são habilidades que se desenvolvem nas práticas inter-relacionais e no cotidiano dos serviços já no processo de formação. As capacidades profissionais de uso de tecnologias de informação e comunicação (TIC) são pontuais e complementares, conforme já previsto nas DCN e nos projetos pedagógicos dos cursos. A presencialidade e o contato interprofissional com pessoas e coletividades sob responsabilidade sanitária do sistema local de saúde, são condições imprescindíveis para o desenvolvimento das habilidades e competências profissionais previstas nas DCN e necessárias ao trabalho real no interior de serviços e sistemas de saúde. É inoportuna a substituição das bases da formação profissional para a saúde em tempos de pandemia, que reivindica dos governos e das instituições medidas de isolamento da sociedade, mas de incremento das ações e da proteção física e psicossocial dos trabalhadores da saúde e das áreas essenciais.

A pandemia da Covid-19, com o necessário distanciamento físico da população em geral e a suspensão das atividades acadêmicas e assistenciais e/ou readequação dessas atividades para a virtualidade, gerou desafios para o desenvolvimento de alternativas e estratégias de ensino e aprendizagem para os cursos da área da saúde. A preservação física e psicossocial dos trabalhadores e das trabalhadoras da saúde é fundamental e deve abranger os sujeitos em situação de aprendizagem nos serviços, uma vez que a atuação do setor saúde e a aprendizagem do trabalho em condições de emergências sanitárias são atributos que pertencem ao trabalho na saúde. Essa é uma responsabilidade que deve ser compartilhada entre a gestão local e as instituições de ensino superior e técnico. É contraditório que o mesmo aparato governamental que convoca publicamente estudantes e profissionais recém egressos da formação superior para a atuação isolada e sem garantias adequadas de segurança, utilize-se do argumento da virtualidade para a formação e, ironicamente, da proteção dos estudantes e profissionais.

Essa particularidade já estava registrada nas normas do sistema nacional de educação. O MEC publicou a Portaria nº 343, em 17 de março de 2020, que dispôs sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia. Na sequência, publicou a Portaria nº 345, em 19 de março de 2020, que alterou a Portaria nº 343 nas prerrogativas de oferta de disciplinas presenciais, em andamento, em caráter excepcional, por aulas que utilizassem meios e tecnologias de informação e comunicação (TIC), vetando a substituição às práticas profissionais de estágio e laboratório.

Entretanto, de maneira também contrária à Lei de Estágio, no dia 01 de junho de 2020, foi homologado o Parecer CNE nº 005/2020, que versa sobre a Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da pandemia. Este Parecer é de caráter persuasivo, manifestando possibilidade de inserção do EaD em todos os cursos de forma padronizada, nas atividades pedagógicas teóricas e práticas, descaracterizando especificidades de formação das profissões da área da Saúde. Atividades relativas ao foco do cuidado que abrange o acolhimento do paciente, família e comunidade são impossíveis de realizar à distância. Da mesma forma, as ações de vigilância e promoção em saúde nos territórios, no caso da pandemia envolvendo incrementos importantes no trabalho voltado às áreas essenciais e às populações expostas a maiores condições de vulnerabilidade à vida e à saúde, precisam ser mantidas e expandidas.

Há necessidade premente de ativar modalidades seguras de trabalho em saúde e de aprendizagem em serviço capazes de manter os atendimentos a pessoas e grupos regularmente presentes nos serviços e incrementar as ações associadas ao enfrentamento da COVID-19 e não ao contrário, desresponsabilizando as instituições e os serviços. Há premência, evidenciada pela pandemia e pelo contexto atual, de que as iniciativas governamentais e das instituições em geral reconheçam a gravidade e a urgência de ações do enfrentamento sanitário e social à emergência, com responsabilidade e embasamento nas evidências acumuladas nas aprendizagens internacionais frente à pandemia. Não é momento oportuno de omissão e desresponsabilização das instituições e das políticas intersetoriais frente à condição atual, sobretudo em relação à formação e ao trabalho na saúde.

O Parecer CNE/CP nº 005/2020 dá ênfase ao desenvolvimento de práticas profissionais por meio de estágios em muitos cursos diferentes da área da Saúde, afirmando que são permeadas por atividades simuladas e reais com utilização de TIC, embasadas no projeto pedagógico do curso, e que esse contexto já é realidade. Porém é importante referenciar que o desenvolvimento de habilidades para o processo de ensino e aprendizagem na saúde exige presencialidade. A referência da Medida Provisória nº 927/2020 (art. 5º), que permite a adoção do regime de teletrabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância para estagiários e aprendizes, não se aplica completamente aos cursos da área da saúde. Nesses, os estágios e práticas laboratoriais não ocorrem predominantemente por teletrabalho em saúde. Na área da saúde, o teletrabalho associado aos recursos de teleconsultoria e telessaúde operam como apoio pontual aos processos presenciais de trabalho e não os substituem.

A concepção de práticas envolve formação de habilidades com componente psicomotor-imitação, manipulação, precisão, articulação e naturalização que requerem presencialidade insubstituível. Também é importante registrar que, em outras áreas de formação, há contribuições muito relevantes ao combate à pandemia, como a produção de insumos e equipamentos, que poderiam ter sido objeto de indução nas especificações previstas na legislação que está sob análise, traduzindo mais adequadamente a responsabilidade social das instituições e das políticas de educação com a saúde e com a vida das populações. Entretanto, parece que a formulação ateve-se a desdobramentos pragmáticos e burocráticos para a formação superior, como se diversas áreas não tivessem contribuições singulares ao combate à pandemia e como se não houvesse iniciativas embasadas na ciência e na experiência internacional para a proteção física e psicossocial dos trabalhadores no exercício de funções essenciais que, no caso da saúde, incluem a formação profissional.

O uso de tecnologias virtuais deve ser incorporado como dispositivo pedagógico auxiliar no processo de ensino, não para substituir o ensino presencial e sim para fortalecer e qualificá-lo, tanto em situações inusitadas como a COVID-19, como para consolidar seu uso no futuro de forma coerente com formação de qualidade. Entretanto, mesmo em condições de pandemia ou outra emergência sanitária, os recursos virtuais não suprem completamente o trabalho em saúde e, portanto, não abarcam as condições em que a maior parte das habilidades e competências profissionais devem ser desenvolvidas nas atividades de estágio, em situações reais. E, reiterando, a condição de pandemia não isenta os serviços e as instituições de ensino de providenciarem as condições necessárias de segurança física e psicossocial dos trabalhadores e dos estudantes e preceptores, assim como ocorre cotidianamente nas iniciativas de ensino em ambientes de maior risco.

No Parecer MEC nº 5/2020 está disposto que “nesse período excepcional da pandemia (…) seria de se esperar que, aos estudantes em fase de estágio, ou de práticas didáticas, fosse proporcionada, uma forma adequada de cumpri-lo à distância”. Esta afirmativa não encontra consonância nas Resoluções, Recomendações e Orientações construídas coletivamente pelas profissões da área da saúde e expressas nos documentos publicados pelo CNS, citados anteriormente. A afirmação do Parecer do MEC é contraditória, uma vez que o enfrentamento à pandemia se constitui no trabalho da saúde e não é um contexto exterior às capacidades profissionais necessárias para a condição emergencial. A excepcionalidade necessária aqui é justamente o incremento das condições de segurança física e psicossocial aos trabalhadores, estudantes da área e preceptores, que são essenciais no enfrentamento à pandemia e à manutenção dos níveis de saúde das pessoas e coletividades e que, portanto, necessitam estar inseridos no trabalho, de forma segura e protegida, para desenvolver tanto as habilidades e competências para a realização do trabalho, como aquelas relacionadas à gestão dos processos de trabalho e gestão de riscos.

Argumenta-se, oportunisticamente, que em 2018 foram abertas 7.170.567 vagas para cursos superiores em EaD e apenas 19% foram preenchidas. A baixa ocupação das vagas de cursos em EaD parece embasar o convite à ampliação das atividades nesta modalidade, nas formulações normativas já citadas. Entretanto, a interpretação mais coerente do cenário parece ser de que, justamente, há o reconhecimento público de que essa modalidade não supre as capacidades profissionais esperadas pelos alunos. Vale ressaltar que ampliação da modalidade EaD na formação superior em saúde tem seus limites estabelecidos nas DCN dos seus 14 cursos, em decorrência da natureza das habilidades e competências que definem como necessárias para a formação, com base no exercício profissional. O CNS e a CIRHRT, que têm a competência constitucional para o ordenamento do trabalho e da educação na saúde têm reiterado essa afirmação.

Há outras contradições entre o teor do citado parecer e o contexto real do trabalho e da formação na saúde no cotidiano. A maioria dos cursos da área da saúde desenvolve os estágios ao longo do curso, com início já nos primeiros períodos, descaracterizando a terminalidade dos estágios citada no Parecer. É recomendação das próprias DCN que assim seja e a Resolução CNS nº 569/2017 registra explicitamente essa condição. As atividades práticas estão presentes em todos os períodos desde o início da graduação com diversidade de cenários na rede do SUS, práticas inter-relacionais, aprendizados em ato, interações comunitárias, que não são possíveis de serem realizadas à distância. E tampouco desativadas em tempos de enfrentamento à pandemia. A preservação de estudantes e preceptores em grupos de risco e maior vulnerabilidade do contato com ambientes de maior exposição é prevista nas normas de organização do trabalho essencial e deve ser observada também na inserção de estudantes e preceptores em campos de prática, mas esse acúmulo tampouco embasa as normas expedidas recentemente pelo MEC.

Na interação ensino-serviço-comunidade, a extensão é uma oportunidade para o desenvolvimento de atividades de educação em saúde, intervenções, assistência e formação de curta duração. Não pode substituir as atividades práticas dos estágios, uma vez que possuem naturezas e objetivos diferentes e acontecem presencialmente, conforme sugerem as normas recentes. Atividades de ensino, pesquisa e extensão são indissociáveis na formação universitária, mas têm naturezas distintas e complementares, conforme registra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9. 394/1996). Há um grave equívoco e uma enorme incompreensão da lei basilar da educação na apressada sugestão contida naquele parecer. Ressaltamos que na formação em saúde não cabem estágios e atividades preponderantemente práticas para a formação profissional na modalidade a distância. É de grande irresponsabilidade sanitária e educacional admitir esse desvirtuamento da formação em momento tão sensível do sistema de saúde brasileiro.

A Portaria nº 544/2020 atribui responsabilidade às instituições de ensino superior na disponibilização de recursos virtuais para que os alunos possam acompanhar as atividades letivas e realizar as avaliações durante o período letivo até 31 de dezembro de 2020. Ao contrário do que indica a Portaria, no caso da saúde é fundamental que haja disponibilização de recursos para a proteção física e psicossocial dos estudantes e preceptores em campo, para manter e expandir as ações de atenção à população. Não há que buscar mediações burocráticas para o problema dos prazos da formação, senão que assumir a corresponsabilidade de todas as instituições com o enfrentamento consistente, ético e tecnicamente embasado nos conhecimentos disponíveis. Iniciativas que fortaleçam o sistema de saúde e a sociedade no enfrentamento da pandemia e na formação de profissionais com compromisso social e sanitário com o SUS e com a saúde da população.

Mesmo no caso das atividades teóricas, é necessário garantir as diferentes necessidades dos alunos. A imprecisão naquela norma legal sobre a que recursos, especificamente, se refere o escopo da mesma e sobre as formas de acompanhamento das atividades na modalidade EaD, que necessitam de equipamentos eletrônicos, inviabiliza a inclusão de estudantes que residem em áreas de maior vulnerabilidade e que não tenham recursos financeiros. A inclusão na formação técnica e superior na saúde é diretriz ética dos sistemas de educação e saúde brasileiros e não pode ser desconsiderada pelas normas infralegais.

Há visíveis e reconhecidos prejuízos que cursos na modalidade EaD podem oferecer à qualidade da formação de profissionais da saúde. Uma formação inadequada prejudica os estudantes e coloca em risco a sociedade como um todo. Esses riscos são imediatos, de médio e longo prazos, que se ampliam de forma significativa com a ausência da integração ensino-serviço-gestão-comunidade. A condição de pandemia não é situação eticamente aceitável para desconsiderar o acúmulo e a discussão prévia sobre essa temática, impondo dissimuladamente uma orientação que naturaliza a disseminação da modalidade em EAD para a formação profissional. Essa discussão necessita de maior adensamento pedagógico e, sobretudo, da garantia de habilidades e competências compatíveis com o trabalho em saúde. O momento atual, de emergência sanitária e enfrentamento à pandemia que sobrecarrega os serviços e ceifa vidas na sociedade, com parte das instituições e autoridades públicas ocupando lugares privilegiados numa plateia virtual, requer responsabilidade social e sanitária, com respostas coesas, eficazes e imediatas.

Concluindo: esse é um tempo de ação, não de omissão

O tempo do enfrentamento à pandemia não é o tempo de omissões, seja dos sistemas de saúde, seja das instituições de ensino. As normas recentes do MEC têm o efeito pedagógico de desativar a potência do trabalho e da educação na saúde, no momento de grande necessidade social e sanitária.

Em oposição a elas, reafirmamos nosso compromisso com a defesa da formação presencial nas atividades práticas nos serviços que oferecem condições para o trabalho, com medidas adequadas de proteção física e psicossocial dos estudantes e docentes, e pelo fortalecimento do SUS, onde se desenvolvem os mais altos padrões das práticas de atenção e do ensino técnico e profissional da saúde no Brasil.

Para isso, conclamamos as instituições de ensino superior dos sistemas federal, estadual e municipal brasileiro para que não se omitam de uma participação ativa e responsável no enfrentamento à pandemia da COVID-19. Isso significa tanto a mobilização de todos os seus recursos cognitivos e operacionais para fortalecer o SUS, com produção e fornecimento de materiais e insumos necessários, com pesquisa e desenvolvimento tecnológico para ampliar a eficácia do trabalho de prevenção e tratamento das pessoas e coletividades, com a mobilização segura e tecnicamente embasada das atividades de colaboração com os sistemas locais e serviços de saúde, e com a proteção física e psicossocial de estudantes e docentes da saúde e de áreas essenciais envolvidos nos diferentes trabalhos de grande relevância social no combate à pandemia, o que inclui o reconhecimento de condições de risco físico e psicossocial diferenciado à saúde e a sobrecarga doméstica e familiar por decorrência da pandemia.

Também com a produção e disseminação de enunciados cientificamente embasados e eticamente sustentados sobre a gravidade da doença, sobre as medidas individuais e coletivas de proteção e recuperação da saúde, sobre as enormes desigualdades sanitárias e sociais que a pandemia tornou mais visíveis e que se agravam durante o seu ciclo de incidência, sobre a importância e relevância de políticas sociais inclusivas para a redução das desigualdades atuais e das consequências nefastas que elas produzem na vida de pessoas e segmentos em maior vulnerabilidade. E, sobretudo, sobre a importância do Sistema Único de Saúde, patrimônio da sociedade brasileira, para a preservação da saúde e para a formação de trabalhadores e trabalhadoras que estão na linha de frente do combate à pandemia.