Estudo identifica fatores que interferem na recuperação de pacientes após traumatismo cranioencefálico grave

A recuperação funcional de pacientes que sofrem um traumatismo cranioencefálico (TCE) grave é influenciada por fatores clínicos e sociodemográficos. Níveis educacionais mais baixos estão associados a piores resultados na avaliação um ano após o trauma. A permanência do paciente por mais tempo sob ventilação mecânica também é um fator de desfecho desfavorável, assim como a idade maior que 65 anos e a realização de craniectomia descompressiva, que é a cirurgia utilizada para redução imediata da pressão intracraniana.

Essas conclusões estão no artigo Preditores de recuperação funcional no primeiro ano após traumatismo cranioencefálico grave, publicado no Brazilian journal of Physical Therapy, a quinta maior revista científica da área no mundo. “É o primeiro artigo da América do Sul a apresentar esses resultados específicos, o que confere a ele um valor científico e acadêmico de grande relevância, não só para a comunidade científica, mas também para a sociedade em geral”, afirma o professor Fernando Zanela, do Laboratório de Neurorreabilitação e Neuromodulação da Ufes, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Fisiológicas (PPGCF), um dos autores do artigo e o responsável pela linha de investigação.

O traumatismo cranioencefálico é uma lesão no cérebro que atinge o couro cabeludo, o crânio, e principalmente o próprio cérebro e as estruturas internas do encéfalo.

“Os resultados deste estudo têm potencial para subsidiar a elaboração de políticas públicas mais efetivas voltadas à prevenção e à reabilitação dos pacientes com traumatismo cranioencefálico. O TCE figura hoje como a principal causa de morte em adultos jovens no Brasil, configurando-se como um grave problema de saúde pública, mas que pode ser evitado”, afirmou Zanela.

Acompanhamento

O estudo foi realizado entre maio de 2021 e maio de 2022 com pacientes do Hospital Estadual de Urgência e Emergência (HEUE), antigo São Lucas, em Vitória, que é referência em trauma. Nesse período, 420 pacientes com TCE foram internados na unidade hospitalar, sendo que, após a aplicação dos critérios de inclusão na pesquisa, 172 foram selecionados e, destes, 145 seguiram até o fim do acompanhamento, um ano após o trauma.

Os 145 pacientes pesquisados eram, em sua maioria, do sexo masculino (85%), com idade média de 45 anos e baixa escolaridade (55,2%). As principais causas de lesão foram quedas (39,3%) e atropelamento (28,3%). O tempo médio de ventilação mecânica foi de onze dias.

Os pesquisadores utilizaram uma ferramenta neurológica chamada Escala de Resultados de Glasgow (GOSE) para avaliar o nível de consciência e a gravidade da lesão cerebral no acompanhamento da recuperação funcional dos pacientes na alta hospitalar e após três, seis e doze meses.

Resultados

Um ano após o trauma, 52% apresentaram boa recuperação funcional com “tendência progressiva, mas não resolutiva, visto que a prevalência de incapacidades e dependência ainda era considerável”.

Após análise individual de diversas variáveis, os fatores idade, gravidade da lesão, realização de craniectomia descompressiva, tempo de permanência em suporte ventilatório mecânico e nível de escolaridade foram selecionados como potenciais preditores de mortalidade, ou seja, interferem significativamente na probabilidade do paciente falecer.

“Mais do que apontar fatores prognósticos, os preditores identificados no estudo poderão nortear não apenas o acompanhamento clínico, mas também orientar pacientes e familiares sobre os possíveis desdobramentos do quadro, auxiliando na tomada de decisões e no planejamento do futuro após o trauma”, disse Zanela. Ele complementa: “Esses resultados podem contribuir de modo decisivo para aprimorar o cuidado integral a esses pacientes e para embasar ações públicas que ampliem a prevenção, reduzam sequelas e promovam uma melhor qualidade de vida aos sobreviventes e suas famílias”.

Estatísticas

No Brasil, o TCE representa uma preocupação crescente de saúde pública. Segundo dados divulgados pela Revista Brasileira de Terapia Intensiva, entre 2008 e 2019 ocorreram, em média, no país, 131 internações por traumatismo cranioencefálico ao ano, com incidência de 65,54 por 100 mil habitantes.

Segundo Fernando Zanela, as principais causas de TCE estão relacionadas a acidentes no ambiente de trabalho, acidentes de trânsito – principalmente motociclísticos – e quedas, refletindo uma realidade preocupante também no Espírito Santo, “onde os acidentes de trabalho despontam como o fator preponderante, seguidos pelos acidentes envolvendo motocicletas”.

O professor destaca que “os dados apresentados na pesquisa reforçam a necessidade de estratégias integradas de prevenção, fiscalização e educação no trânsito e nos ambientes laborais, além de investimentos em campanhas de conscientização, capacitação de profissionais da saúde e ampliação dos programas de reabilitação”.

Autores

A pesquisa originou a dissertação de mestrado da aluna Jéssica Vaz, egressa do PPGCF/Ufes. Além de Zalena e Vaz, assinam o artigo os pesquisadores Pedro Henrique Lirio, da Universidade de São Paulo (USP); Carla Louzada e Lucas Nascimento, do Departamento de Educação Integrada em Saúde da Ufes; Hanna de Almeida, Hellen Siler, Larissa Ramos e Thais Rodrigues, do Laboratório de Neurorreabilitação e Neuromodulação e do Departamento de Educação Integrada em Saúde da Ufes; e Renato Freire Júnior, da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

Fonte: Universidade Federal do Espírito Santo