O que dizem as pesquisas científicas sobre a volta às aulas na pandemia

Um dos temas mais controversos do momento é se escolas devem voltar às aulas presenciais. Como em outras questões da pandemia da Covid-19, não existem pesquisas consolidadas e irrefutáveis sobre quais seriam os riscos reais da convivência escolar para alunos, professores e suas famílias.

O que se sabe com certeza é que a paralisação das atividades escolares é especialmente danosa para as crianças durante o processo de alfabetização, a partir dos 5 anos, a “fase de ouro” de desenvolvimento do cérebro, que não volta mais. Então, será que os perigos assumidos com o retorno das aulas são maiores do que as perdas de aprendizagem? Na falta de certezas, qual seria o bom senso?

Em artigo publicado em agosto na revista Pediatrics, da American Academy of Pediatrics (Academia Americana de Pediatria), os médicos Benjamin Lee e William V. Raszka, da Universidade de Vermont (EUA), após uma revisão bibliográfica de estudos científicos realizados em diferentes países a respeito do retorno às aulas, concluíram que as crianças 1) não são transmissoras significativas da Covid-19 e que 2) é possível reduzir drasticamente, com cuidados, a possibilidade de contágio no meio escolar.

O principal estudo apresentado pelos americanos é COVID-19 in Children and the Dynamics of Infection in Families”, também publicado na Pediatrics, coordenado pela pediatra Klara M. Posfay-Barbe, da Universidade de Genebra. Após rastrear o início da doença em 39 crianças infectadas com coronavírus, a pesquisa mostrou que apenas três delas poderiam (situação não confirmada) ter contraído a doença na escola – o restante teria sido contagiada em casa.

Outro levantamento científico apresentado pelos americanos se debruçou sobre um caso da França, sobre um menino infectado pela Covid-19 e pelo vírus da gripe (Influenza A), que teve contato com cerca de 80 colegas em três escolas. Segundo a pesquisa, apesar de o ambiente no interior das instituições de ensino ser propício à transmissão de vírus respiratórios, não houve contágio por coronavírus. No mesmo espaço, porém, isso ocorreu no caso da Influenza A. A conclusão intrigou os pesquisadores.

Em um terceiro levantamento analisado, feito em Nova Gales do Sul, na Austrália, nove alunos e nove funcionários infectados com a Covid-19 em 15 escolas tiveram contato próximo com 735 alunos e 128 funcionários. Mesmo assim, apenas duas infecções foram identificadas, ambas transmitidas por adultos, não por crianças.

O artigo apresenta ainda uma situação registrada na China. De 68 crianças com Covid-19 internadas no Hospital Feminino e Infantil de Qingdao, 65 haviam sido infectados por adultos e não por outras crianças.

Crianças menores transmitem menos, mas têm carga viral maior?

Outras pesquisas realizadas na Europa e na Ásia, não revisadas por pares (como todas as realizadas sobre o tema até agora), mostram crianças menos propensas a contrair a Covid-19 ou com risco menor de transmissão do vírus para a comunidade em geral.

O Instituto Pasteur, por exemplo, estudou um surto em escolas em um bairro de Paris, em fevereiro, antes que quaisquer medidas de isolamento entrassem fossem adotadas. À época, embora o vírus tenha se disseminado entre estudantes do ensino médio, nas escolas de ensino fundamental o contágio foi quase nulo. “O cenário aponta que alunos entre 6 e 11 anos de idade são menos contagiosos do que alunos adolescentes”, escreveram os autores do estudo.

Um grupo chinês, em artigo publicado no meDrxiv, após a análise de 40 infecções infantis na China, Cingapura, Coreia do Sul, Japão e Irã inferiu que, “embora o SARS-CoV-2 possa causar doença leve em crianças, os dados disponíveis até o momento sugerem que as crianças não desempenham um papel importante na transmissão dentro de casa”.

O Ministério da Saúde da Suécia, para defender sua política de não fechar as escolas durante a pandemia, publicou um informe comparativo sobre as taxas de infecção infantil no país, comparadas às da Finlândia, que fechou as escolas entre 18 de março e 13 de maio. Os autores do documento, após analisar os dados sanitários dos dois países, concluíram que o “fechamento de escolas não teve nenhum efeito positivo mensurável em relação ao número de casos de Covid-19 entre crianças”.

Mas a opinião de todas essas pesquisas convive com outros estudos que recomendam mais cautela sobre a volta às aulas. Um deles foi o realizado por um conjunto de pesquisadores da Universidade de Harvard, e publicado no The Journal of Pedriatrics, em agosto.

Após analisar 192 pessoas de até 22 anos, contaminadas com o novo coronavírus, os pesquisadores acreditam que a carga viral em crianças, nos dois primeiros dias dos sintomas, poderia ser mais alta do que em adultos, ainda que os sintomas nos mais jovens sejam mais moderados. “As crianças podem ser uma fonte potencial de contágio na pandemia de Covid-19, apesar da doença mais branda ou da falta de sintomas”, escreveram.

Outros pesquisadores que recomendam cautela na reabertura das escolas são o pediatra e professor da Universidade Leicester, Damian Roland, e o pesquisador na área de doenças infecciosas pediátricas, Alasdair Munro. No artigo Children and transmission of SARS-CoV-2″ (Crianças e a transmissão de SARS-CoV-2), os dois analisam diferentes estudos científicos e concluem que, apesar de as crianças serem menos suscetíveis a serem contaminadas pela Covid-19 do que os adultos com a mesma exposição, elas possuem quantidades altamente variáveis de vírus SARS-CoV-2 detectáveis em sua nasofaringe, amplamente semelhantes as dos adultos. Segundo os pesquisadores, isso ficou mais claro para crianças mais novas, com menos de dez anos, e vai aumentando durante a adolescência até à idade adulta.

ECDC: “Transmissão de criança para criança é incomum”

O Centro Europeu de Prevenção e Controle das Doenças (ECDC) – agência de saúde vinculada à União Europeia – divulgou, no dia 6 de agosto, um relatório sobre o impacto da Covid-19 no retorno às aulas em países europeus. Algumas das principais conclusões do estudo são:

  • As investigações de casos identificados em ambientes escolares sugerem que a transmissão de criança para criança nas escolas é incomum;
  • Menos de 5% dos casos gerais de Covid-19 notificados na União Europeia e no Reino Unido estão relacionados a pessoas com 18 anos ou menos e, quando diagnosticadas com o vírus, as crianças têm muito menos probabilidade de serem hospitalizadas ou apresentar resultados fatais do que os adultos;
  • As crianças têm maior probabilidade de ter uma infecção leve ou assintomática;
  • Se medidas apropriadas de distanciamento físico e higiene forem aplicadas, as escolas provavelmente não serão ambientes de propagação mais potentes do que outros ambientes ocupacionais ou de lazer com densidades semelhantes de pessoas.

Apesar de destacar que a maioria das crianças infectadas não apresenta sintomas, o ECDC aponta que, quando sintomáticas, elas liberam o vírus em quantidades semelhantes às dos adultos e podem infectar outras pessoas de forma parecida. O relatório informou também que, embora tenham sido documentados poucos surtos significativos de Covid-19 nas escolas, eles ocorrem e podem ser difíceis de detectar devido à relativa falta de sintomas em crianças.

A agência de saúde também reforça que medidas de higiene e distanciamento precisam estar implantadas em toda a comunidade para reduzir o risco de transmissões no ambiente escolar.

Os médicos e o bom senso ao voltar às aulas

Recentemente, um grupo de 29 médicos assinou uma representação direcionada ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) cobrando medidas para garantir o retorno das atividades presenciais nas instituições de ensino. Segundo eles, “no momento em que houve permissão de abertura pelos órgãos legitimados (…) de bares, academias, comércio, cinemas, etc., não há razão sanitária que justifique a continuidade de fechamento de atividade essencial (escolas). Por sinal, em vários países os colégios já foram reabertos e só fecham pontualmente quando detectam a transmissão sem controle em determinadas escolas”.

A posição dos médicos é endossada por infectologistas como Francisco Cardoso, assistente de UTI do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, e coautor do manual de orientações do Ministério da Saúde para o tratamento precoce da Covid-19. Segundo ele, como há menores índices de transmissão do patógeno em crianças, há um risco menor na volta às atividades escolares presenciais se comparado ao retorno ao trabalho, por parte de adultos, ou à abertura de comércios e da indústria.

“É claro que será essencial observar as regras de distanciamento e demais protocolos”, reforça.

O pediatra Rubens Cat, médico e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), salienta que não existem estudos suficientes ou protocolos definitivos que assegurem que a reabertura das escolas não ocasionará aumento de casos de Covid-19 em alunos, familiares, professores e funcionários das escolas. Mesmo assim, caso as medidas de segurança sejam adotadas, ele acredita ser importante o retorno às aulas.

“A experiência de vários países onde as escolas foram reabertas com sucesso nos deixa extremamente otimistas quanto às grandes chances de sucesso aqui no Brasil, somadas à indiscutível necessidade de darmos mais atenção à educação neste momento da pandemia”, avalia.

O que diz a OMS

Em entrevista coletiva realizada no dia 15 de setembro, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarou que “este vírus pode matar crianças, mas as crianças tendem a ter uma infecção mais branda e há poucos casos graves e mortes por Covid-19 entre crianças e adolescentes”.

Segundo dados da organização, menos de 10% dos casos notificados e menos de 0,2% das mortes ocorrem em pessoas com menos de 20 anos. Mas o diretor-geral salienta que novas pesquisas são necessárias para identificar os fatores que colocam crianças e adolescentes em maior risco.

Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Fonte: Gazeta do Povo