Pesquisadores da UFRJ analisam potencial de produção de hidrogênio verde no Brasil

O elemento químico é uma alternativa para diminuição da emissão de gases de efeito estufa na indústria e uso de fontes de energia renováveis no país

Pesquisadores do Grupo de Energias Renováveis no Oceano (Gero), vinculado ao Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) da UFRJ , analisam a viabilidade técnica e econômica da produção de hidrogênio “verde” no Brasil. A demanda global por hidrogênio atingiu a marca de 97 milhões de toneladas em 2023. No entanto, menos de uma tonelada desse montante produzido era considerado verde (gerado por meio de processos com baixa emissão de carbono), segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA). A aposta dos pesquisadores do Gero é produzir hidrogênio verde a partir de energia eólica em alto-mar para ser usado na indústria e também como uma forma de armazenamento de energia, viabilizando a utilização de fontes de energia renováveis no país e diminuindo a emissão de gases de efeito estufa em cadeia na indústria.

O hidrogênio é um elemento químico amplamente empregado na indústria conhecida como de “difícil abatimento”, ou seja, que emite grandes quantidades de gases de efeito estufa devido à alta necessidade de energia para o seu funcionamento, que tradicionalmente vem da queima de combustíveis fósseis. Essas indústrias ‒ siderúrgica, química, de cimento e de refino, por exemplo ‒ abrangem setores essenciais para a economia, como os de produção de cimento, aço, alumínio, vidro, petróleo e gás, e produtos químicos, e atendem uma demanda global crescente. Nesse cenário, a produção de hidrogênio proveniente de fontes de energia renováveis, como a eólica em alto-mar, é uma alternativa tecnológica e sustentável para ser usada diretamente nessas indústrias, com capacidade de suprir a alta demanda. “Além de funcionar como um vetor energético que viabiliza o uso de fontes de energia renováveis no país, já que o armazenamento de hidrogênio pode ser também uma solução para atenuar o impacto da variabilidade de perfil de geração das fontes renováveis”, explica Milad Shadman, professor convidado do Programa de Engenharia Oceânica (PEnO) da Coppe/UFRJ e que atua no Gero.

Conheça o trabalho realizado pelo Gero 

O Gero foi criado em 2001 por Segen Estefen, professor emérito da UFRJ e diretor-geral do Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo), em um contexto de crise energética. Na época, o Brasil enfrentava a necessidade de buscar fontes alternativas de energia devido à crise que afetou o fornecimento e distribuição de energia elétrica no país de julho de 2001 a fevereiro de 2002. Em um primeiro momento, o grupo apresentou um projeto de geração de energia elétrica a partir da energia das ondas do mar. Dispositivos eram colocados no mar e, a partir do movimento das ondas, todo o sistema se movimentava gerando energia. A contar desse estudo, os pesquisadores realizaram um dos principais projetos do grupo naquela época: um piloto em escala real de um conversor de energia de onda instalado no Porto do Pecém, no Ceará.

As pesquisas realizadas pelo grupo nunca foram interrompidas. Entretanto, após a pandemia de covid-19, Segen Estefen e Milad Shadman decidiram revitalizar o Gero e iniciaram novos projetos. O grupo estuda atualmente quatro tipos de fontes de energia renováveis disponíveis no espaço oceânico: energia de onda, solar flutuante, gradiente térmico do oceano (a diferença térmica entre adas superiores e o fundo do mar) e eólico offshore (em alto-mar) flutuante, com foco nessa última fonte. A partir do estudo delas, o grupo vem desenvolvendo cinco projetos, todos eles com o objetivo de “descarbonizar” os processos relacionados à energia, ou seja, diminuir a emissão de gases de efeito estufa, principalmente CO2, usando fontes de energia renováveis no espaço do oceano.

Além dos coordenadores, o Gero é formado por mais de vinte pesquisadores de diferentes nacionalidades, entre pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos e alunos de iniciação científica brasileiros, iranianos, bolivianos, peruanos, nigerianos, equatorianos e chineses. O grupo é multidisciplinar, formado por estudiosos de diferentes frentes, como hidrodinâmica, aerodinâmica, estrutura, confiabilidade, inteligência artificial, oceanografia, entre outras.

A produção de hidrogênio verde a partir da energia eólica em alto-mar 

Com foco no eólico offshore de base flutuante, o Gero desenvolve um dos seus principais projetos em parceria com diferentes departamentos de Engenharia da UFRJ, voltado à produção de hidrogênio a partir da energia eólica em alto-mar. Os benefícios desse tipo de energia são diversos: evita impactos visuais e sonoros e não tem obstáculos naturais e não naturais, que fazem com que o vento fique turbulento; além disso, em alto-mar os ventos são mais fortes. É importante considerar também que o oceano oferece um espaço maior em comparação à terra firme, apesar de existirem restrições, como o respeito às áreas de preservação ambiental, à atividade de pesca, rota de navegação e rota de migração das aves, entre outras.

Além dos benefícios citados, as turbinas de energia eólica em alto-mar podem ser quatro vezes maiores que em terra firme. Enquanto as turbinas onshore garantem a potência  de  5 megawatts (MW), as offshore chegam a uma potência de até 20 MW. Os professores revelam que uma turbina eólica offshore de 20 MW, operando nas condições de vento em alto-mar no Brasil, com 50% de fator de capacidade, pode abastecer cerca de 45 mil residências brasileiras diariamente por um ano. Essas turbinas podem ser de base fixa ou flutuante, dependendo da profundidade da água. A aposta dos pesquisadores é que as de base flutuante sejam ideais para a produção de hidrogênio verde. As pesquisas realizadas apontam que quanto mais distante da costa as turbinas estiverem, maior a capacidade de capturar ventos mais fortes, constantes e sem turbulência. E, a partir de 50 metros de profundidade da água, as turbinas eólicas de base fixa se tornam tecnicamente e economicamente inviáveis.

Milad Shadman explica que o perfil da geração das fontes de energia renováveis é variável, ou seja, não produzem sempre a mesma quantidade de energia. No caso das turbinas eólicas, a produção depende da velocidade do vento naquele período, pois há momentos de ventania e de calmaria. “A demanda, a quantidade de energia que precisamos entregar é um valor fixo, mas a produção é intermitente. Então aqui o hidrogênio pode funcionar como um atenuador no sentido de estabilizar e suavizar essa intermitência. Quando a produção sobe e a demanda continua a mesma, sobra uma quantidade de energia que pode ser usada para produzir hidrogênio e armazená-lo”, acrescenta.

Esse hidrogênio produzido e armazenado a partir do excesso de energia de uma fonte limpa e renovável pode ser usado diretamente na indústria, em setores como o de produção de fertilizantes, cosméticos, alimentício e de refinaria, por exemplo. Ou pode ficar armazenado para momentos de baixa produção. Nesse último caso, quando a produção de energia da fonte renovável estiver abaixo da demanda, o hidrogênio pode ser convertido para energia elétrica novamente e suprir a rede. Dessa forma, funciona como um vetor energético que viabiliza as fontes de energia renováveis, que tradicionalmente geram debates no campo devido à questão do armazenamento. Além disso, o hidrogênio também tem potencial de armazenar grande quantidade de energia por um longo período de tempo, o que ainda não é viável devido ao elevado custo das baterias existentes no mercado.

Os pesquisadores destacam ainda o potencial do hidrogênio verde nas indústrias de “difícil abatimento”. Um dos principais pilares da transição energética é a “eletrificação”, ou seja, o uso de energia elétrica proveniente de fontes renováveis. Entretanto, algumas indústrias são difíceis de eletrificar, como, por exemplo, a siderúrgica, pois é necessário uma quantidade de calor muito elevada, impossível de ser gerada a partir da eletricidade. Mas o hidrogênio pode suprir essa demanda. “O hidrogênio possui elevado teor energético por massa e pode ser utilizado nos processos que demandam alta quantidade de energia. Por isso, o hidrogênio  produzido a partir das fontes renováveis pode ser utilizado para descarbonizar as indústrias de difícil abatimento, como a siderúrgica, a de cimento, entre outras. Nesse sentido, o hidrogênio pode acelerar a transição energética e contribuir para que possamos atingir as metas de redução das emissões de gases de efeito estufa”, conclui Milad Shadman.

Parceria para desenvolvimento do projeto

Pesquisadores dos programas de Engenharia Oceânica, Metalúrgica e de Materiais, Elétrica, Civil e do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ, com a liderança do Gero, mapearam o potencial de produção de hidrogênio a partir da energia eólica offshore. Na pesquisa de dois anos financiada pela TotalEnergies, empresa fundada na França em 1924 e que atua em mais de 120 países no setor de energia, os profissionais analisaram ainda a viabilidade técnica e econômica desse processo produtivo. Segundo dados da Coppe/UFRJ, o estudo de caso foi no entorno do Porto do Açu, na região Norte do estado do Rio de Janeiro, e posteriormente as aplicações dos algoritmos e metodologia foram expandidas e agora podem ser usadas em qualquer lugar do planeta.

O estudo apresenta um modelo técnico-econômico detalhado para estimar o potencial de produção de hidrogênio e o seu custo nivelado (métrica do campo) a partir da energia eólica em alto-mar. Foram consideradas três regiões de grande disponibilidade de energia eólica: Sul, Sudeste e Nordeste e seus principais portos, levando em consideração restrições técnicas e ambientais para uma estimativa mais realista. No projeto, foram avaliados dois cenários. No primeiro, o hidrogênio era produzido na costa. A energia elétrica era gerada em alto-mar, trazida para a costa e, a partir da eletrólise da água, foi possível gerar o hidrogênio.

Já no segundo cenário, o hidrogênio também era produzido em alto-mar, como a energia elétrica oriunda das turbinas eólicas, e depois enviado para a costa através de dutos. Milad assinala que a equipe multidisciplinar desenvolveu dois algoritmos durante a pesquisa. O primeiro para determinar a melhor localização do parque eólico e, o segundo, mais sofisticado, considera a dinâmica de controle da potência, de distribuição de energia a partir do armazenamento por bateria, consumo, funcionamento dos eletrolisadores e o comportamento dos compressores ao longo do tempo. A partir dessas análises, o grupo aplicou uma estratégia de controle que pode aumentar a produção de hidrogênio em até 23%.

Ao final do estudo, os pesquisadores concluíram que, para aumentar a produção de hidrogênio verde, alguns pontos devem ser levados em consideração, como a necessidade de redução do custo de produção de energia elétrica a partir da eólica offshore para eletrólise da água, que separa o hidrogênio. Além do regime de ventos, há de considerar também a capacidade para a escolha da localização do parque eólico, o transporte do hidrogênio que será produzido e a otimização dos eletrolisadores e dos sistemas de bateria. Por fim, como segunda fase da pesquisa, o grupo está na expectativa da criação de uma bancada de testes experimentais, onde poderão investigar em escala reduzida o processo de produção do elemento químico a partir da energia renovável para aprofundar o entendimento dos desafios técnicos do processo e conceituá-lo. E, posteriormente, poderão ainda propor a instalação de um piloto no mar.

Fonte: UFRJ