Modalidade optativa será adotada na rede estadual para mitigar efeitos da pandemia na etapa final de ensino
Dos 310 mil alunos da rede pública de São Paulo que vão se formar neste ano no ensino médio, 31 mil, ou seja, 10%, optaram por cursar o 4º ano opcional a fim de recuperar o conteúdo perdido em razão da pandemia do novo coronavírus e do consequente fechamento das escolas para aulas presenciais.
Os alunos devem estudar com colegas que estarão no 3º ano em 2021, mas com flexibilidade para montar seus currículos.
Essa nova série escolar foi criada pela secretaria estadual de Educação como uma tentativa de dar uma nova chance aos estudantes para que estejam mais preparados para prestar o Enem e os vestibulares. Neste ano, eles terão no máximo, a depender da cidade, dois ou três meses de aulas presenciais.
Embora baixo à primeira vista, o número de inscrições, encerradas em 30 de outubro, superou as expectativas do secretário da Educação, Rossieli Soares.
Ele diz que esperava o interesse de cerca de 5%, ou 15 mil, por se tratar de uma extensão opcional do curso e especialmente diante da piora causada pela pandemia na crise econômica, o que pressiona muitos jovens a procurar trabalho cada vez mais cedo.
Segundo Caetano Siqueira, responsável pela coordenadoria pedagógica da secretaria, o governo está trabalhando com a possibilidade de que haja desistência no início do ano, mas também que outros alunos possam se interessar pela proposta e o contingente cresça.
Não está prevista oficialmente a abertura de novas inscrições, mas Siqueira afirmou que, a depender do número de interessados, é possível que novas vagas venham a ser criadas.
Apesar de o estudante poder escolher as matérias, será obrigatório que curse ao menos três disciplinas. Não há limite máximo, ele pode fazer todas as que forem oferecidas.
O aluno deverá se submeter às provas normalmente para acompanhar o seu desenvolvimento e, além disso, será dado, ao final do ano, um certificado do 4º ano, com a quantidade de horas cursadas.
Uma das opções que pode ser interessante para os jovens é a de aproveitar para fazer uma qualificação profissional associada ao 4º ano, aberta agora mesmo para aqueles que tenham cursado o ensino médio regular, e não o técnico.
Serão oferecidas vagas do projeto NovoTec Expresso, que dura um semestre. Se a pandemia exigir, é possível que as aulas sejam semipresenciais, associando atividades presenciais a remotas, mas, se não houver restrição, as aulas acontecem nas escolas.
Dentre as 11 opções estão, por exemplo, princípios do empreendedorismo, operador de telemarketing, informática básica, criação de conteúdo para redes sociais, produção multimídia e recepção e atendimento ao cliente.
A estudante Sarah Duzi Ferreira Costa, 18, se inscreveu para o 4º ano do ensino médio. Ela conta que começou este ano muito empolgada para estudar e passar no vestibular.
Aluna de uma escola estadual de São Carlos, no interior de São Paulo, não conseguiu se adaptar às aulas remotas após o fechamento das escolas. “Eu tentei assistir às aulas na televisão, mas os horários eram complicados para mim, não encaixavam com a minha rotina, e eu também não me senti estimulada a estudar.”
Filha de costureira, ela passou o ano ajudando a mãe no trabalho e nas tarefas de casa, e se conectou pouco à escola. “Os professores se esforçaram, todo mundo tentou, mas é um formato muito limitado, não tem como render da mesma maneira”, afirma.
Sarah não tem computador em casa. Via as aulas pela TV e fazia as atividades enviadas pelos professores pelo celular, situação que reflete a de milhares de estudantes pelo país e que se tornou um problema ainda maior na pandemia —segundo relatório emitido pela OCDE neste ano, o Brasil tem a pior relação computador/aluno entre 79 países avaliados.
Ela também ficou ansiosa e triste com a situação, angustiada por perder o convívio com os professores, os amigos e toda a curtição da formatura, que não poderá ser realizada. Sem muito ânimo para estudar, sentiu-se estressada com a ideia de que não conseguiria entrar logo na faculdade.
Situações como a de Sarah alimentam os temores dos gestores educacionais de um aumento da evasão no ensino médio.
A estudante, no entanto, mantém a ideia de prestar pedagogia, e pretende tentar uma vaga na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos). “Sempre idealizei o 3º ano, a formatura e entrar na faculdade direto. Mas não deve dar…”
Sobre o 4º ano, ela comenta: “As pessoas me dizem que pode ser bom esperar mais um ano para entrar na faculdade, não ter pressa… Tento acreditar nisso, mas é difícil”.
Nicoli Agda Vieira Mascarenhas, 17, estuda em uma escola estadual na zona leste de São Paulo e diz que se inscreveu no 4º ano “porque não aprendeu nada no 3º”.
Ela conta que o sinal de internet da casa dela é muito fraco e que também não tem computador. Tentava assistir às aulas pela televisão e pelo celular, e, quando não entendia algo, não tinha como rever ou tirar dúvidas.
Nicoli pretende cursar letras para ser professora, intérprete de Libras, porque teve uma amiga surda e se interessou, ou autora de livros. Ela adora escrever crônicas e almeja uma vaga na Universidade de São Paulo. “A pandemia adiou o meu sonho”, diz.