Pesquisa Acadêmica: A evasão é um dos principais problemas do ensino superior no Brasil

A evasão é um dos principais problemas do ensino superior no Brasil. Dados do Censo da Educação Superior, realizado pelo Inep, mostram que 59% dos alunos que ingressaram em alguma instituição no ano de 2010 não haviam completado o curso em 2019. O abandono é mais grave em particulares (62% dos ingressantes), mas também significativo em estaduais (46%) e federais (52%). Para melhor desenhar políticas públicas, é preciso investigar a fundo os fatores associados a essa desistência. Foi isso que fizeram os pesquisadores Melina Klitzke e Flavio Carvalhaes, num estudo que acompanhou os três primeiros anos de trajetória de alunos que ingressaram na UFRJ em 2014.

Uma das conclusões do estudo foi que características como o nível socioeconômico dos estudantes, sexo ou a raça/cor dos indivíduos não se mostraram significativas para explicar o perfil dos que abandonam os cursos. Considerando que foi em 2014 que o percentual de reserva de vagas pela lei federal de cotas chegou a 50%, a constatação de que estudantes mais pobres ou pretos e pardos — público-alvo das políticas de ações afirmativas — não tiveram abandono maior do que seus colegas na UFRJ é uma notícia positiva.

Outra conclusão relevante do estudo é que uma parte significativa da evasão acontece de forma precoce, ou seja, principalmente nos dois primeiros semestres. Segundo os autores, este é um período em que os alunos podem estar “experimentando” o curso e a universidade, para decidir se vão permanecer ou desistir. Este resultado é provavelmente relacionado com a forma como acontece o processo seletivo via Sisu (Sistema de Seleção Unificada). Os dados mostram que estudantes que disseram que a nota de corte no Enem afetou a escolha do curso tiveram maior evasão, mesmo resultado verificado para aqueles que afirmaram que o curso escolhido não havia sido sua primeira opção.

Para entender esse resultado, é preciso lembrar que o Sisu, que passou a existir em 2009 no contexto de ampliação do Enem, aumentou o leque de escolha dos cursos pelos estudantes. Antes dele, em cada vestibular isolado que o candidato fazia, era preciso já indicar quais seriam sua primeira, segunda e terceira opções. Se a nota no vestibular não fosse suficiente para ingresso em nenhuma delas, ele simplesmente ficava de fora. O Sisu inovou ao criar um sistema que, a partir da nota no Enem, informa aos estudantes em quais cursos ele consegue ingressar com aquela pontuação. Como o universo de instituições que selecionam pelo exame federal é muito maior do que em qualquer vestibular isolado, as chances de um candidato achar alguma porta de entrada no superior aumentaram consideravelmente.

Os resultados do estudo se referem apenas à UFRJ, e não devem ser automaticamente extrapolados para as demais instituições. Além disso, os autores ainda não analisaram como se dá essa evasão em diferentes cursos. Mas essas evidências se juntam a outras que apontam para a necessidade de aperfeiçoarmos nossas políticas de apoio aos alunos já desde o momento de ingresso no ensino superior. E também trazem um outro debate, já conhecido dos especialistas, mas no qual pouco avançamos: o Brasil tem uma estrutura rígida no ensino superior, diferente de outros países em que os primeiros anos na universidade fazem parte de um ciclo comum, permitindo ao estudante fazer posteriormente a escolha da área em que vai se graduar.

Texto: Antônio Gois

Fonte: OGlobo