Os alunos mudaram, e daí?

Ronaldo Mota*

 

Há um experimento que onde quer que tenha sido realizado o mesmo resultado tem sido recorrente. Ele é surpreendente e difícil de ser compreendido. As crianças quando perguntadas sobre o número de horas por dia que ficam conectados à internet, uma parte delas deixa de responder simplesmente porque, para elas, a pergunta carece de sentido. Da mesma forma, se questionados quando e quantas vezes elas “entram” na internet, de novo, sequer entendem o que está sendo perguntado. O fato é que existe hoje uma fração significativa dos mais jovens que está conectada o tempo todo e, portanto, eles não “entram” na internet pelo simples fato de que nunca “saem”.

Google e outras empresas têm anunciado óculos, relógios, pulseiras e outros dispositivos como precursores de um novo tempo em que o mecanismo de acesso à informação se dará por algo grudado ao corpo e não mais descolado do mesmo, como é hoje a prática usual. Embora o sucesso de tal iniciativa ainda seja limitado, é certo que a tendência é clara. Em poucos anos, talvez meses, estaremos fortemente tentados a gradativamente acoplar, de forma inédita, à nossa vestimenta do cotidiano o dispositivo que será a interface permanente de informação e de comunicação.

 

Teremos muito brevemente associado três tendências fortes que marcarão a cultura, os hábitos e os costumes das próximas gerações: 1. uma sociedade em que a informação estará amplamente disponível, instantaneamente acessível e podendo ser obtida gratuitamente; 2. uma geração que estará conectada de forma quase contínua e permanente; e 3. tecnologias que viabilizam desenvolver todas as tarefas cotidianas sem prejuízo de, simultaneamente, permitir que as pessoas estejam conectadas em tempo integral.

 

A pergunta a ser respondida, cujas consequências ainda não avaliamos plenamente, é como fica a educação nestes novos tempos? Provável que a resposta completa não esteja mesmo disponível e os detalhes dependam de particularidades e peculiaridades, associadas com variáveis complexas, incluindo o acaso, difíceis de prever. O que podemos é tentar traçar o perfil deste novo aluno. Com a vantagem que ele, de alguma forma, já existe, o que dispensa que elocubremos demais. Basta examinar as tendências já em curso.

 

À medida que lidamos com os mais jovens, especialmente crianças e bebês, conseguimos vislumbrar melhor o que virá a seguir. Assim, uma constatação é a impossibilidade da medida temporal de conexão, a ausência gradativa de significado para o clássico “entrar” ou “sair” da internet. Podemos elencar algumas outras características, tais como: o relativo desprezo pela memória, largamente compensada pela supremacia na lida com diferentes plataformas de acesso à informação; a disposição de absorver conteúdos, inclusive profundos e longos, desde que disponibilizados nas linguagens e nos módulos temporais apropriados; a compatibilidade de estabelecer com os mediadores educacionais uma relação bastante distinta daquela que conhecemos hoje entre professor e aluno; a facilidade em trabalhar e desenvolver missões em equipe, independente da presencialidade física etc.

 

Com o foco no aluno, talvez fique mais simples imaginar como os demais atores e espaços educacionais se adaptarão ou não. O papel do educador e a missão da escola são elementos que trazem em comum duas certezas, ainda que aparentemente contraditórias: 1. escola e educador sobreviverão, 2. ambos serão tão profundamente modificados que suas novasfaces terão uma relação de memória distante com o que foram no passado, ou seja, continuarão a ser, ainda que sendo substancialmente diversos do que foram um dia. Mas, por enquanto, é certo que os alunos mudaram e foi antes da semana passada.

 

 

*Ronaldo Mota é reitor da Universidade Estácio de Sá e co-autor do livro “Educando para inovação e aprendizagem independente”,editora Elsevier.

 

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